quarta-feira, 10 de outubro de 2012

DO COMPLEXO DE ÉDIPO COM A MÃE ALHEIA: LIÇÃO DO POLÍTICO



Alguns heróis místicos enfrentavam problemas profundos, por vezes insolúveis. Para os antigos gregos, as suas histórias trágicas demonstravam o quanto a estrutura humana é falível e todas as suas desgraças eram originadas pela sua condição de homens. Talvez um dos mais famosos heróis trágicos seja o tal do Édipo, em cuja história encontrou bem definido um dos mais tormentosos conflitos a que se chamou “Complexo de Édipo”.
            Pulando a parte escatológica e demasiada ficcionista da lenda, o tal do Édipo, nome que significa “pés-inchados”, foi um sujeitinho muito do cafajeste. Imaginem, fugiu da casa dos pais adotivos, matou o pai natural, decifrou o enigma da uma esfinge (monstro com cabeça de mulher e corpo de leão) e, por fim, traçou a mãe, uma rapariga chamada Jocasta. A Rede Globo até fez uma libertinagem televisiva a respeito desse fato grego.
            No final, todos descobriram o acontecido, Jocasta se enforcou e Édipo furou os seus próprios olhos, partindo para o exílio. Esse é, em suma, o Complexo de Édipo. Contar uma lenda grega, além de cultivar os espíritos mais ignorantes, talvez seja uma ilustração para as realidades vivenciais.
            Até o grande psicólogo Sigmund Freud viu nesta lenda o modelo de um conflito fundamental do homem. Negócio de baitola mesmo. Entretanto, muitas das situações vivenciadas hoje em dia são resultados de profunda ignorância, outras, em simultâneo com essa ignorância, são profundas carências afetivas e angustiantes frustrações sentimentais que levam os homens a se agarrarem a antigas lendas para mitigar situações psíquicas, por vezes bem confusas que os atormentam.
            É o caso, por exemplo, do político em vias de votação no Congresso Nacional. Em tempos de emendas, reformas e outras construções, o político se vê às voltas de uma profunda crise existencial, regada a mensalão, jetons, batons e outros tons. Esse angustiante complexo humano cria uma espécie de arquétipo com o sujeito público em fase de votação.
            Parece uma definição abstrata e de difícil compreensão, mas é fácil de ser encontrado no Congresso Nacional. Ora, eles aparecem na televisão, defendem a nação e posam como justiceiros representativos. Mas, em nenhum momento questionam os jetons e mensalões da vida, não têm empatia com a vontade geral da nação e aproveitam o tempo para articulações políticas, afinal, tão logo estarão aposentados. Os políticos, em geral, legislam o que não dói no seu bolso.
            Eis que surge o tal do Édipo na política, em que o político mata os pais adotivos (os eleitores), decifra o enigma da esfinge (vota em projetos de interesse particulares), mas não traça a mãe dele, a messalina chamada Jocasta, afinal, ele não é a besta mitológica d’outrora. Ele fode mesmo é a mãe dos outros.
            O político, então, se resigna ao Complexo de Édipo, mas não sofre por ter lascado a mãe alheia. Ou seja, lamento pelo que votei, mas não pelo que ganhei. Assim é a vida, uns sofrem pelo que tem e outros pelo que não tem. Há, ainda, os que sofrem pelo que têm, pelo que os outros também têm e pelo que os outros não vão ter mais. É o Complexo de Édipo com a mãe alheia.
            A infelicidade do político é indubitavelmente filha da ignorância mesclada com fracasso sentimental e carências profundas. Infelicidade de político é não poder revogar a Lei da Relatividade por intermédio de Lei Ordinária, pois o resto ele pode tudo. Essa conclusão remota as encíclicas pranchunianas referente à mistura da política com a química orgânica:
            “O grau máximo da política e da química orgânica é estruturado pela seguinte fórmula: 2 meteno e 1 bezeno!”

            Assim falou Pranchú!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DA VITÓRIA SOBRE SI MESMO


            A cara já estava esbaforida, os dentes estavam trincados, a pressão intracraniana parecia que iria estourar o cabeçote, as meias pareciam extensões das glândulas sudoríparas, as mãos suavam igual ao corno da descrição de Nelson Rodrigues e a posição era fecal, digo, fetal. Depois desse extenso apanágio da posição do indivíduo em plena arte defecante pós-moderna, nada do caboclo descer.
            Depois da frustrante tentativa de botar o moreno pra nadar na privada, o sujeito sai todo engomadinho da casinha privada. Olha meio desconfiado para um lado, para o outro, mas nada que o abale ante a frustração do momento de depurar no banheiro da empresa.
            Fatigado e contrariado pela merda renegada, o sujeito volta a trabalhar. Senta-se em sua mesa, coloca uma das mãos e o cotovelo do outro braço na escrivaninha, inclina-se obliquamente, dá uma ligeira levantada na perna esquerda e alivia a sua angústia enrustida.
            A onomatopeia é acompanhada por uma emanação volátil e gasosa do corpo, cujo cheiro é peculiar do saturado de anidrido carbônico. Como se não bastasse o ato vil de usurpar o ambiente de trabalho com essas emanações, o sujeito ainda pensou em voz alta:
            - O peito é o grito de liberdade da merda oprimida!
            Todos olham para ele e, espantado com o potente decibel do seu próprio pensamento, o sujeito arremata:
            - Desculpem, saiu sem querer!
            Não importava mais, afinal, querendo ou não querendo, a ventosidade já tinha sido ventilada igual às fétidas palavras. Em que pesem as caras de espanto, o sujeito estava um pouco tranquilizado, mas nem tanto, afinal havia um urubu beliscando a sua cueca que insistia em não sair.
            Tudo era questão de psicologia, pois o urubu já era domesticado. Era tão domesticado que só tendia em sair se fosse no recanto sossegado do seu lar. É verdade, por mais que aquele sujeito tentasse exorcizar o caboclo no banheiro da empresa, o urubu só sairia para voar se fosse dentro do seu próprio lar.
            O sujeito procurou médico, pai-de-santo, cu-randeiro e até veterinário, mas nada do caboclo sair. O sintoma da moléstia que o sujeito era acometido chamava-se “constipação”, nome arredio para designar a prisão-de-ventre dos tempos da escravatura, do ventre-livre e do chazinho de boldo.
            Várias explicações eram dadas pelos médicos sobre a tal constipação.
            - Olhe, meu filho, acho que você tem a síndrome da intensidade intestinal, ou seja, você tem um intestino maior do que o dos outros, por isso você não defeca todo dia. Já o pai de santo dizia:
            - Mê-za-fí, tu tem o intestino preguiçoso, por isso que não consegue fazer descer o caboclo!
            O cu-randeiro pregava:
            - O problema é de prega!
            Já o veterinário prescrevia:
            - Não faça força no momento de liberar o urubu, caso contrário ele se retrairá.
            Até mesmo o sogro opinava:
            - Isso é frescura do seu frezado!
            Com tantos prognósticos, só restava o consolo de que a posologia, em geral, era uma só: purgante de efeito brando em suaves doses, além de cereais e fibras. Caso ficasse mais de cinco dias sem botar o moreno para nadar, teria que tomar o purgante em dose cavalar, tendo uma resposta efetiva e imediata.
            O sujeito passou a andar com uma pilulazinha verde no bolso, cujo significado estava ligado à felicidade do sujeito perante o trono da empresa onde trabalhava. Era a pílula da escolha pela fuga da Matrix, dando, é claro, uma passadinha no banheiro da empresa antes.
            Com essas dificuldades que presenciamos diariamente, podemos inferir que todo cagão é feliz e não sabe. Esse não é um problema endêmico, mas um problema geral que o povo não comenta por causa da vergonha que geralmente cerca as histórias do oiti. Era como dizia o velho filósofo Pranchú, nos idos de 1969, em sua passagem pelo Carnaval de Cabedelo, na Paraíba:
            Pegar mulher feia e cagar todo mundo faz, mas ninguém gosta de comentar.
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Constipação S/A (Sozinho e Anônimo).

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DOS COMPASSIVOS



-                     A vida da gente é um aperto! O que você acha?
-                     Pois é, a gente vive nesse aperto miserável e a mamãe não economiza mesmo.
-                     É verdade! Veja o famigerado vício do cigarro, por exemplo. Ela bem que poderia parar de fumar e economizar para o leite. Cê sabe, o leite tá os olhos da cara!
-                     O pior é que não adianta espernear, bater, gritar ou fazer greve de fome. Ela só dá razão ao vício.
-                     Você lembra quando nós dois ficamos uma noite sem dormir e esperneávamos tanto que ela também não dormiu. Nossa Senhora, parecia um dia de glória: “o embate de gerações.”
-                     É,  mas no final quem ganhou o embate foi ela. E para relaxar, tome cigarro e fumaça para os nossos juízos.
-                     Acho que vou ter uma séria conversa com ela hoje a noite ou, pelo menos, farei com que ela reflita a respeito de tudo.
-                     Tem jeito não irmãozinho! Você lembra quando ela bebeu tanto  uísque que vomitou toda aquela feijoada do almoço? Eu nunca passei tão mal na minha vida ao ver aquela cena. O cheiro da mistura me dá náuseas até hoje. Sabe o que ela fez depois? Fumou um cigarrinho para se tranqüilizar!
-                     Uh, que nojo! Eu me lembro sim! Aquele cheiro perdurou muito tempo no ambiente.
-                     Sabe o que é pior? Eu hoje até que estou gostando do cheirinho da fumaça do cigarro! É o mesmo que cheirar aquele lençol velho desfiado,  em que colocamos as partes desfiadas no nariz e sentimos cócegas. Mantenho esse vício quando a mamãe pega aquele leçolzinho velho de guerra.
-                     Eu também acho! Estou gostando também do cheirinho do cigarro,  mas eu odeio as baforadas no rosto. É pior do que uma cuspida!
-                     Concordo! Baforada no rosto é o fim! E o pior é que, às vezes, não dá nem para correr.
-                     Eu também não entendo a forma com que a mamãe segura o cigarro. É uma delicadeza tão grande, uma sutileza magistral entre o fura-bolo e o cata-piolho, as pernas estrategicamente cruzadas e o ar de empáfia estampado no rosto. Eu nunca prestei atenção nas outras pessoas, mas será que elas também ficam com esse ar de soberba quando fumam?
-                     Não sei, também não prestei atenção! Mas, já que você falou sobre isso, acho que a mamãe tem mais delicadeza com o cigarro do que com o papai. Certa vez eu a ouvi dando um conselho para uma amiga que estava se  divorciando, ela dizia: “homem é como cigarro, quando não tiver mais nada o que dar e ficar só a piola, joga fora!” Eu não entendi direito o que ela quis dizer com isso, mas acho que não é uma coisa boa.
-                     Não sei se a mamãe é uma boa conselheira, só sei que ela guarda o cigarro como se fosse um relicário. É uma pena, nem fotos da nossa irmãzinha ela guarda direito.
-                     Irmãozinho,  você está vendo o que eu estou vendo?
-                     Baforada de novo, não!
-                     Corre irmãozinho, vai para algum lugar!
-                     Vou me esconder atrás do pulmão!
-                     Você tá doido? O pulmão está cheio de uma fuligem preta nojenta que fica grudando nas mãos.
-                     Então me abrigarei pelo fígado!
-                     Que fígado? Esqueceu que o uísque da semana passada comeu a metade do fígado! A mamãe ainda nem sabe disso. Fica quieto e se esconde em outro lugar.
-                     Tudo bem, exceto no intestino que é uma merda.
-                     Cala a boca e corre para atrás do pâncreas!
-                     Mas lá tem um caroço do tamanho de uma mexerica. Vou pra lá não!
-                     Fique perto das costelas e não se mexa!
-                     Mas as costelas estão tão debilitadas por causa do cigarro que eu acho que não cabe nem a minha perna.
-                     Você é um irmão gêmeo muito burro!
-                     E você que é inteligente de mais, onde vai se esconder?
-                     Não vou me esconder, estou adorando esse cheirinho de nicotina do Free! A minha cabeça fica muito doida!
-                     Então, já que você é o sabichão de nós dois, onde eu me escondo?
-                     Sei lá! Te vira! Vai tomar no cu!
-                     Lá, não! De novo!
            Essa parábola, que conota a saga dos compassivos, remonta um vetusto ensinamento pranchuniano relacionado ao filho renegado. Na ocasião, perguntaram a Pranchú qual seria o tempo verbal da seguinte frase: “Isso não poderia ter acontecido”. Pranchú, no auge de sua sapiência respondeu: “Preservativo imperfeito.”
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Os Irmãos Nicotina.



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

DA SOCIEDADE DOS SUICIDAS ANÔNIMOS



Na história mundial, inúmero são os casos de indivíduos que procuram voluntariamente a morte, como Adolf Hitler e Eva Braun, Getúlio Vargas, Santos Dumont, Kurt Cobain e tantos outros que se perderam nas brumas do próprio tempo. Segundo o sociólogo Émile Durkheim, os tipos mais característicos de suicídios foram classificados em egoísticos (desajustamento), na moderna sociedade, e os altruísticos, nas sociedades primitivas e tradicionais.
            O suicídio egoístico resulta-se da não integração do indivíduo à sociedade e do desajustamento, que é a ausência de padrões sociais que regulam o comportamento do indivíduo. O indivíduo altruísta, integrado na sociedade, utiliza a sua vida em obediência aos costumes sociais e o suicídio será uma obrigação, um ato relevante, como o dos brâmanes, gregos, japoneses hara-kiri e, atualmente, os monges budistas do Sudoeste Asiático.
            No Brasil também temos os nossos próprios suicidas anônimos que, em um ato desesperado, buscam a outra vida pelas próprias mãos. Trata-se de um suicídio altruístico e institucionalizado pela alcunha de matrimônio, o vetusto casamento. O casamento parece uma doença que, quando não mata, deixa aleijado. Teorias psicológicas, baseadas nas ideias do afrescalhado Freud, ligam as causas desse suicídio matrimonial ao estudo da autoacusação, ressentimento e frustração.
O suicídio começa na simples afirmação: “aceito!” Pronto, o suicídio se concretizou pelas próprias mãos que assinaram os proclamas e colocaram o anel-enforcamento. Nada mais de cerveja depois do trabalho, futebol com os amigos só depois de ir ao supermercado, shows só os que não fizerem barulho, cinema com filme sem ação e, para rimar, sinuca nunca.
O sujeito começa a observar os amigos com aquele ar de nostalgia: “Ah, os meus tempos de solteiro; Tempos que não voltam; Tempos em que a aurora da minha vida era Aurora (árdua trabalhadora de empreitada em uma conhecida casa de recursos humanos na Av. Índios Cariris, em Campina Grande, na Paraíba).” Em meio dessa instigante divagação filosófica ouve-se um grito esguio de dentro da cozinha:
“- Imprestável, não sabe nem comprar um litro de leite!”
            Enfim, mesmo diante de todas as adversidades que este ato vil traz para a sociedade, grande parte das pessoas se suicida dessa forma. Foi o que aconteceu há alguns anos com um colega de Aracajú, um sujeito que passou a residir na capital do país e cuja graça atende por Flávio Pboy.
Ele se enforcou com uma aliança de 24 quilates e 25 quemordem, fato que também ocasionou uma contenção de despesas resultantes dos embalos de sábado à noite no Plano Piloto. Bem, o hobby dele passou a ser o de colecionar e-mails de casamento para enviar aos amigos e, ao que parecia, ele fazia isso por meio de mala direta, em que os e-mails eram dispostos com seguintes dizeres: “o casamento é um sacramento imortal”, ou “o casamento é uma obra de divina!”, ou ainda, “o casamento é a introspecção da natureza humana!”.
            Foi nesse instante que refleti no que realmente consiste o suicídio, pois enquanto o suicida ficar somente no suicídio, tudo bem, afinal o problema é dele. Mas, a partir do momento em que o suicida instiga ou induz para que outros possam se suicidar também, aí o problema passa a ser de ordem pública, incidindo no que preceitua o art. 122 do Código Penal, que dispõe como crime o ato de induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
            O suicídio-altruístico-matrimonial, como obra divina, é o único que tem testemunha, e logo duas, no mínimo. É a própria morte assistida e comemorada, uma espécie de eutanásia da piroca. Como ser complacente com tamanho infortúnio pós-moderno? Ora, não sendo. Irresignado com essa barbárie recente do caro colega Pboy, por intermédio da mídia virtual, sinto-me na obrigação moral de afirmar:
            “-Se quiser casar, case! Mas nunca instigue alguém ao suicídio.”
            Que o seu suicídio altruístico não se transforme em egoístico, pois, como disse o sábio Pranchu na invasão de São José da Lagoa Tapada pelos Fenícios:
“- Casamento é bom, mas morrer queimado deve ser bem melhor!”
            Assim falou Pranchú![1]



[1]. Importa consignar que o autor também se suicidou!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A FÁBULA DA MENINA PORCELANA E DO PLAYMOBIL



Ela já era uma linda mulher quando eu ainda era pirralho e brincava de playmobil. Não me refiro a uma balzaquiana dos dias de hoje, mas uma gazela que era alguns poucos anos mais velha do que todos nós. Era aquela deusa grega estigmatizada e almejada por todos os pirralhos das várias gerações em seus sonhos e vícios solitários. Ela sempre existiu na vida de muitos marmanjos, aquela menina-mulher que deixou ébrio o mais inocente playmobil, lúdico brinquedo de infância. Aliás, foi de tanto brincar de playmobil e imaginar em braile essa diva que a turma da infância ficou conhecida como “A Turma do Playmobil”, em analogia à mãozinha do brinquedo que já era posicionada ao intento onanista. Logicamente, o apelido da turma continua até hoje, mas o sentido da mãozinha do brinquedo é também de tanto segurar um copo de bebida qualquer.
A menina-mulher, em comento, nunca prestava atenção ou dava ousadia aos pirralhos e muito menos pensava em se enroscar com um infante que quase era da sua idade. Na verdade, a menina porcelana dizia preferir homens na acepção adulta da palavra, excluindo-se, por conseguinte, toda pretensão dos infantes playmobil. Todos os adjetivos eram poucos para descrevê-la de modo fiel, só restando à memória corroída pelo juízo da adolescência lembrá-la de uma forma mais abrasiva. A menina porcelana era linda, cheirosa, elegante, poderosa e extremamente fogosa, ou seja, era o apetite dos sentidos adolescentes.
Com toda certeza, o homem que nunca teve uma deusa dessas como mito na infância pode ser considerado como um homem não vivido. Em consequência de toda essa admiração, quando pensavam em braile nesta menina-mulher, no recanto sossegado do banheiro, os marmanjos catavam tranquilamente:
“- Escute essa canção, que é pra tocar no rádio no rádio do seu coração...” (Moraes Moreira)
Logo em seguida a mãe enfurecida dizia:
“-Ô Menino, que demora é essa no banheiro? O que você está fazendo?”
Para apressar as idas e vindas do pensamento em braile, mudavam o repertório:
“- Pombo correio, voa ligeiro...” (Alceu Valença)
Em outras palavras, a menina-mulher era responsável pela inspiração das demoras no banheiro e pelas demais angústias sofridas da puberdade, principalmente na criação de espinhas e outros males. A tortura continuava e parecia inacabável, tendo-se em vista que a nossa diva saía com outros marmanjos mais velhos e nos jogava em um profundo estado letárgico que era um misto de amadurecimento e criancice. Aquela deusa parecia intocável, como uma estátua que só se cultua e não se cutuca, a não ser por um mancebo um pouco mais velho. Era um amor platônico em todas as suas dimensões.
A vontade de crescer logo era um desejo uníssono, então, como em uma fórmula mágica de desejo, olhamos para os lados e começamos a aumentar de tamanho, igualmente com todas as partes do corpo. Começamos a entender que tamanho também é documento, mesmo que seja documento de entrada e saída.
Aprendemos a lidar com a ansiedade e principalmente com as modificações do nosso corpo. Começamos a sair com outras garotas e vivenciar experiências inéditas, ora, sem embargos de retórica, aprendemos vivenciar o sexo naturalmente. Tudo normal na vida de um jovem e como diz o ditado popular: “depois que entra um boi, entra a boiada.”
Esse é um pensamento estranho quando nos referimos às mulheres que nos brindaram com suor e o amor na hora da entrega. Com todo esse exercício lascivo em prol da libertinagem adolescente, passamos a esquecer daquela menina porcelana que em outros tempos era o desejo de nossas realizações libidinosas, o sonho de consumo da imaginação infante. Nesse momento de liberdade do nosso amor platônico, perguntávamos: por onde anda aquela deusa? Será que ainda está linda?
Inevitavelmente o sujeito começa a fazer uma digressão para lembrar-se da última vez que viu a menina-mulher, sendo a última lembrança algo surpreendente. Algumas casam, engordam e ficam conhecidas como “cururu-de-tanga”. Outras ficam independentes demais e acabam encruadas, ficando para tia-avó. Há também aquelas que ficam até famosas e aí o sujeito lembra orgulhoso: “já amei muito essa mulher, mesmo que ela não saiba!”
Nessa incursão ao passado, lembrei-me da última vez que vi a minha menina porcelana. Ela estava desfilando em um conhecido concurso de moda, atraindo olhares muito mais promissores do que o meu. Logo me veio a lembrança da impossibilidade e a distância que me separar dela. Sonho impossível! Ela certamente já estaria alçando passos cada vez mais longínquos. Eu, um pirralho de outrora e o meu lúdico pensamento. Ora, lúdico é pensar que as nossas meninas porcelanas estão longe de nosso alcance.
Quem diria! Encontrei a dita cuja trabalhando em uma farmácia próxima ao local onde eu trabalho. Ela me reconheceu e contou todo o seu desiderato até aquele momento. Continuava muito exuberante, pelo menos à primeira vista, mas denunciava um ar cansado de quem muito dançou o “Samba do Crioulo Doido”. Cozinhar o juízo dela foi tão fácil quanto perder o juízo nos hediondos atos onanistas da juventude. O sonho daquele pirralho estava se realizando de uma maneira muito sossegada, como se fosse um retorno ao velho banheiro: “Escute essa canção, que pra tocar no rádio...” (Moraes Moreira).
Essa história realmente aconteceu com um amigo deste escriba, sujeito este que soube compreender que seu futuro foi muito mais feliz do que se tivesse realizado uma parte do passado. Naquele momento refleti as sábias palavras de sábio Vinícius de Moraes: “a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Ao mesmo tempo lembrei-me das igualmente sábias palavras do filósofo Pranchú, o ícone de São José da Lagoa Tapada:
“Ser lúdico na infância é destino, mas continuar lúdico na maturidade é burrice!”

Assim Falou Pranchú!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

GUIA UMA RODA: CONHEÇA O MUNDO PELO FUNDO



            Em analogia à conhecida revista Guia 4 Rodas, surgiu a ideia deste pequeno opúsculo, que visa estabelecer um parâmetro higiênico, cultural e social dos mais recônditos locais do Brasil em face do que convencionamos a chamar de Banheiro, Mictório, WC, etc. Em outras palavras, trata-se de um guia de rodagem e conhecimento do Brasil através dos banheiros. Entenda-se o termo "rodagem" na acepção mais prosaica da palavra, ou seja, o velho ato, costume, vício e/ou mania de cagar, mijar, escarrar e/ou descascar a macaxeira propriamente dita.
            Parafraseando o Código dos Biriteiros, a base epistemológica deste guia é "A Teoria" de Ariano Suassuna: "qualquer motivo serve para cagar ou mijar". Para conhecer o Mundo Através do Fundo faz-se necessária muita coragem e ousadia, pois onde há aquele cheiro fedorento de ovo podre, há fungos e bactérias. Nesse ínterim, mijar, cagar ou descascar em um ambiente como esse passa a ser uma tarefa que necessita de muito sangue-frio, pois é a mesma coisa de oferecer o bilau ou o boga em sacrifício. Há, porém, uma restrição a temática, em virtude do amplo campo de incidência da pesquisa, mas partiremos pelo princípio da roda. O princípio da roda surge da premissa “A Bunda e a Bondade em Nome da Humanidade”, em que o cidadão pesquisador botará, literalmente, o seu rabo na reta em prol da humanidade.
            Urge estabelecer, portanto, uma classificação de categorias de banheiros ou mictórios de forma que não vingue, de maneira enviesada, a profecia aguinaldiana do “é de bolo”. Arquitetonicamente os banheiros não diferem muito uns dos outros, eis que sua finalidade básica é sempre a mesma: cagar, mijar e/ou descascar. Em termos de paisagismo já diferem um pouco, podendo apresentar diferenças no que tange às louças (para mijadas individuais ou coletivas), às caixas de descargas com a cordinha que nunca funciona, ao bocal sem lâmpada, ao ralo coletivo, ao papel higiênico (quando tem) esfola brega, ao espelho rachado, às portas da privada tem sempre a frase “quem comeu fulaninha marque um X”, enfim, as mais diversas animosidades possíveis.
            Há também banheiros ou mictórios que oferecem uma atração a mais, permitindo na mijada in loco uma certa alternativa de lazer. Alguns mictórios possuem bolinhas de naftalina no receptáculo urinário, onde o mijante se sente fortemente atraído em treinar a pontaria nas naftalinas, ficando até orgulhoso quando consegue inverter a posição das bolinhas num jato só. Há outros mictórios que são decorados com aquelas metades de limão que sobraram das caipirinhas, com o pequeno inconveniente de atrair aqueles mosquitinhos de privada que ficam revoando a cara do cidadão mijante.
            Nesse sentido, diante da vasta gama de ambientes urinários, há um parâmetro para classificação do Guia Uma Roda, que surge da convicção de cada um pesquisador em potencial, dividindo-se nas seguintes classes de banheiros (fundamentadas nas disposições da Lei N.° 51, de 12 de fevereiro de 2000, o Código dos Biriteiros):
            A – Os Uma Roda (Classificação Máxima):
            B – Os Uma Rodinha (Qualidade Média):
            C – Os Utilizáveis (Qualidade Identificável):
            D – Os Imundos (Qualidade Suspeita);
            E – Os Antagônicos (Sem Qualidade Alguma, também conhecido como Banheiro Puta Que Pariu – BPQP, bem como outros adjetivos não menos elucidativos).
            É impossível um ser humano não ter adentrado em recintos como esses, nem o mais pio e devotado seguidor da cátedra do francês afrescalhado “toilette”. Se a vida é adjetivosa eu não sei! Só sei que o mundo pode ser conhecido através do ofício bogal. É na estupenda arte de exorcizar um caboclo, no momento de homenagear uma gazela ou no singelo ato de mijar que descobrimos o quanto conhecemos o mundo.
            É justamente imbuído desse sentimento que lembramo-nos das vetustas palavras de Pranchú, quando da descoberta que a merda nos faz melhores justamente porque descobrimos o verdadeiro sentido da prudência:
“Antes de falar, ouça. Antes de agir, pense. Antes de desistir, tente. Antes de cagar, veja se tem papel!”

            Assim Falou Pranchú!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O FAST-FOOD DO SERTÃO



         Menino de feições lânguidas, subtraídas da rigidez do sertão nordestino, mais especificamente do sertão pernambucano (Caruaru – PE), que denotava forte apego às suas raízes e demais culturas da região. Sujeito simples, de sobrancelhas com ares de humildade, mas que na realidade não passava de pura modéstia, a exemplo de sua inteligência e capacidade escamoteada por meio de atos simplórios e singelos.
         Papalvo e sem malícia, o sujeito em tela restringia-se a fazer divagações inteligíveis e profundas acerca de coisas simples da vida. Mais especificamente, o nosso protagonista gostava de filosofar sobre o pão nosso de cada dia, não na acepção da labuta, mas no sentido gastronômico mesmo. Em suma, o homem só falava em comida.
         O Programa Governamental denominado Fome Zero, inclusive, teve a inspiração perpetrada pelas ações e divagações do nosso herói. Sem dúvidas, não há como negar que o meio onde vivia influenciou o nosso guerreiro sertanejo a pensar com o bucho. Todos os fatos o remetiam a uma analogia gastronômica, por exemplo: pensar com o bucho, como foi dito acima, para ele significava pensar depois de ter comido uma buchada. E por aí vai.
         Na verdade ele não se importava com o que iria comer, mas se iria comer. Ao contrário do que os legentes possam pensar, ele não era um retirante da seca, muito menos um necessitado qualquer ou um mendicante enviesado, mas um sujeito que tinha estudo universitário e uma posição social privilegiada.
         Falar de comida para ele, mais do que um hobby, era um fetiche mesmo. Na hora do sexo, por exemplo, o nosso herói comia pensando em comida. Na hora do alarido sexual, no ápice do prazer, o guerreiro gemia em voz alta: “cuscuz”, “cozido”, “buchada”, “carne-de-sol” e mais um tanto de outras iguarias. Até mesmo no início de sua carreira sexual, o nosso herói teve o seu intróito relacionado com a gastronomia. Basta dizer que ele comeu um bode e depois comeu o bode, fazendo o que poderíamos chamar de “ménage à trois” caprinos-gastronômico.
O nosso Gourmet sertanejo, no entanto, foi acometido por uma vicissitude do destino, qual seja, foi designado para laborar em metrópole muito distante de sua provinciana cidade. Ele foi designado para trabalhar na Capital Federal. Triste com o seu desiderato, o protagonista que ora se cuida resolveu exasperar ainda mais o seu lado filosófico-gastronômico, tornando-se ainda mais aficionado por “cu-linária”.
         Chegou à cidade grande feito matuto e ficava olhando obliquamente para cima e para baixo, coçava o queixo e fazia careta. Olhava para toda aquela poluição visual e relacionava tudo com um bom prato de comida. Como um bom retirante pós-moderno, era muito fácil deduzir que ele saiu do sertão, mas o sertão não saiu de dentro dele.
         Começou a trabalhar muito, chegando até mesmo a esquecer a sua tara quase que sexual por desígnios alimentícios. Mas o pior é que ele foi apresentado às guloseimas mais modernas, tais como as titicas do McDonald’s, Bob’s, Rabbib’s, Aídentro’s e demais iguarias ruminantes.
         Dentro de pouco tempo o nosso Gourmet passou a ter surtos psicóticos agudos que se manifestavam corriqueiramente. O negócio estava tão feio que ele foi obrigado a buscar ajuda profissional, encontrando na figura do Dr. Stênio Amâncio Bode o acalento para suas agruras.
         O Dr. Bode, profissional interdisciplinar, aplicava toda a sua vetusta psicologia no sentido de gabaritar melhor o fanfarrão do sertão. Insistiu tanto com a psicologia que incutiu na cabeça do nosso herói a seguinte frase: “dizes o que comes que direis o quadrúpede que és!”
         O nosso protagonista parecia se acalmar diante das anestesiantes frases do Dr. Bode. Parecia que estava se curando, quando repentinamente teve uma recaída por causa do próprio Dr. Bode. Não era prosaica aquela recaída, pois a figura do Dr. Bode passou a representar as lembranças de tenra infância do fanfarrão do sertão, ainda mais quando lembrava das comilanças d’outrora, no sentido gastronômico e sexual da palavra.
         Hoje em dia o nosso guerreiro, autointitulado como Fast-food do sertão, passou a ser um cabra mais evoluído e sempre impregnado do espírito culinário. Como não tem cura para a sua endemia pessoal, o único prognóstico do nosso herói é transformar a sua tara em panacéia de alegria. E é isso que o sicofanta sempre fez!
         As histórias do Fast-food Sertanejo me lembram as encíclicas pranchunianas entabuladas em épocas de bulimia, termo neológico onde o oco da barriga esbarra no deveras da fome, muito utilizado por modelos e afins em suas andanças pelo mundo.
Dizem que quem tem boca vai a Roma. Meu fogão tem quatro e nunca saiu da cozinha!

         Assim falou Pranchú!