quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

DO FUMO À FODA: ENSAIO SOBRE A CAVERNA

[1]


[1]. Título originário: “Ensaio sobre Pranchú, segundo Platão.”  




            - Puta que pariu, Prancha! Que porra de lugar é esse? Se eu não fosse seu amigo há muitos anos, certamente diria que você é um tremendo de um baitola!
            - Pô, Plata, mas não foi você mesmo que disse que queria ir a um local propício para refletir sobre metafísica, gnoseologia, dialética e misticismo? Então, aqui é um excelente local para isso!
            - E tinha que ser na porra de uma caverna escura como essa? Não poderia ser na encosta de uma montanha, em uma enseada, em um barco ou em qualquer outro local mais arejado? Francamente, esse local é totalmente desconexo do mundo e não tem nada a ver com o que penso. Perdi o meu tempo. Bem que eu poderia estar batendo uma bolinha com velho Sócrates lá no CT do Clube Ateniense e tomando uma Dionísia[1] estupidamente gelada!
            - Calma, Plata, não fique bravo. Não é você mesmo que diz: “tudo que ilude, encanta!”[2] Pois bem, esse local ilude e, por isso mesmo, encanta. Já fiz várias reflexões por aqui com o colega Zoroastro, oportunidade em que discutíamos sobre a crença no paraíso, na ressureição, no juízo final e na vida de um messias, esses papos mais amenos.
            - Papos mais amenos? Você acha que discutir o juízo final é um papo ameno?
            - Tudo depende de como as coisas são contadas, amigo Plata. Estamos aqui para “buscar a verdade essencial das coisas”[3].
            - E como você acha que vou buscar a verdade essencial das coisas nesse breu e sem inspiração alguma?
            - Cara, fica tranquilo que já pensei em tudo. Para chegar a essa verdade, eu trouxe um rango que não é bem um “banquete”, mas vai ajudar, afinal, saco vazio não para em pé. E também, trouxe outro negocinho aqui!
            - Que outro negocinho, Prancha?
            - Bem, já que a Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou Duodecim Tabulae, em latim) ainda não regulamentou a matéria como contravenção, trouxe um cigarrinho do capeta para vaporizar o ambiente e ajudar na inspiração. Assim, podemos ficar inspirados e sem aquele laricão!
            - Só você, hein, Prancha, para me tirar do sério!
            Instintivamente, Pranchú saca do farnel um tufo de planta canabácea[4], um delgado xantungue de seda e, com uma desenvoltura de um mestre Jedi, envolve tudo com apenas uma das mãos, transformando-se em um gigantesco charuto de cannabis! Com a outra mão, Pranchú pôs fogo em umas gramíneas utilizando-se da vetusta técnica fire starter[5]. Em seguida, o famigerado cigarro já estava aceso e em plena utilização.
            Após trinta minutos de um silêncio catatumbal, o diálogo recomeça com um clima mais aprazível!
            - Aê, Prancha, acho que você tinha toda razão! Esse cenário é perfeito para uma reflexão profunda. Sou capaz de discutir até mesmo sobre o juízo final e outros enfoques mais tranquilos. O ambiente me tranquiliza para pensar, afinal: “quando a mente está pensando, está falando consigo mesma.”[6] Olha só aqueles lindos pássaros fazendo uma harmoniosa revoada!
            - Ô Plata, acho que você não está enxergando direito, pois aquilo ali não é um bando de pássaros, mas um bando de morcegos. Não tem nada de bonito naquilo.
            - E daí, o que importa é o conceito!
            - Que conceito? Morcego é morcego e pronto! Esse escuro todo também não contribui para essa sua visão turva.
            - Prancha, “podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro. A real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.”[7]
            - Agora fudeu de vez! Você não está falando nada com nada.
            - Imagine esses lindos passarinhos...
            - Passarinhos o caralho, são morcegos, Plata!
            - Que seja! Imagine esses morcegos, que vivem em uma caverna escura, descobrindo o mundo de luz que tem lá fora. É como se libertassem de uma prisão interna e descobrissem a verdadeira essência das coisas para além do mundo sensível. É como se pudessem acreditar, desde que nasceram, que o mundo é de determinado modo e, então, descobrem que quase tudo aquilo é falso, parcial e que existem novos conceitos, totalmente diferentes.
            - Bicho, não sei que porra é essa que você está falando, mas pode ser que tenha algum sentido.
            - É como se os morcegos se libertassem de sua própria ignorância! Os morcegos que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá!
            - Caralho, o fi de rapariga está doidão! Plata, toma um pouco de água que você passou para o estágio de perturbado emocionalmente.
            - Prancha, os morcegos se libertam da ignorância. “A alma deseja voar de volta para casa, para o mundo das ideias. Ela que se libertar do cárcere do corpo” [8]
            - Vixe Maria!
            -“Não há nada bom nem mau a não ser estas duas coisas: a sabedoria que é um bem e a ignorância que é um mal.” [9]
            - Pronto, agora está poetizando a parada!
            - “Todo homem é poeta quando está apaixonado!” [10]
            -  É o que, Plata?
            - “Não há ninguém, mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o amor toma conta dele.”
            - Ok, Plata, essa conversa está tomando um rumo muito estranho. Estamos no meio de uma caverna bem escura e você vem com esse papinho de amor, apaixonado, coisa e tal! Que viadagem é essa?
            - “A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos.”
            - Ignorância é o caralho! A única coisa que sei é que essa maconha está revelando o seu lado baitola! Pare de falar merda e tente volver em si.
            -“Tente mover o mundo. O primeiro passo será mover a si mesmo.” [11]
            - Foda-se! Agora dê o primeiro passo para mover a si mesmo e vamos para casa. Você já passou dos limites, seu maconheiro safado!
            Duas semanas após esse desconexo diálogo, Prancha e Plata se encontram em frente ao Liceu Ateniense, escola onde a turma da época estudava. Um pouco envergonhado, Plata enceta:
            - Amigo Prancha, peço escusas por aquele dia! Fiquei demasiado entorpecido e não me lembro de muita coisa. A única coisa que me lembro é que cheguei em casa e anotei no caderno algumas coisas sobre caverna, descobertas, luz, escuridão, sei lá, algo do gênero. No outro dia, quando fui ler, não entendi porra nenhuma. O caderno está lá, embaixo da minha escrivaninha e com um cheiro insuportável de maconha.
            - Tudo bem, acho que a marijuana subiu muito rápido para essa sua mente já ensandecida. Mas me diga uma coisa, e aquele papinho de amor, apaixonado, coisa e tal? Fiquei preocupado. Estás virando qualira[12]?
            - Não, amigo Prancha! Na verdade, estou totalmente arreado por uma bela e jovem gazela que mora nos arredores de minha humilde morada. Trata-se de uma vizinha cuja graça atende por Diotima de Mantinea[13]. Ela é tão especial que só tenho vontade de cultuá-la e não de tocá-la de forma alguma!
            - Você chegou pelo menos a conversar com ela?
            - Não, amigo Prancha, pois a única coisa que tenho desejo é de cultuá-la espiritualmente, pois a vida dela me ensina a genealogia do amor. Deve ser por essa razão que fiquei falando algumas coisas desconexas na caverna. A razão é simples: estou sofrendo por causa desse amor!
            - Plata, de filósofo à punheteiro, você é um bom sujeito. Em todo caso, existe posologia para o seu problema.
            Da narrativa acima, o filósofo e matemático Platão extraiu profundos conhecimentos acerca da filosofia pranchuriana e que daria ensejo a duas de suas principais obras e filosofias: A Alegoria da Caverna[14] e o Amor Platônico[15]. Da maconha na caverna ao mundo da filosofia, Platão redeu-se aos ensinamentos de Pranchú, embora, naquele instante de sua vida, ainda estivesse açoitado por um amor impossível por sua própria natureza. Nesse instante, Pranchú revela a posologia para a cura do amor não correspondido:
            - Para curar um amor platônico, só mesmo uma trepada homérica!

            Assim Falou Pranchú!


[1]. Cerveja oriunda de Dionísio, deus grego equivalente ao deus romano Baco, dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, e, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor com a deidade.
[2]. Frase platônica.
[3]. A busca da verdade essencial das coisas é um dos objetivos principais da filosofia de Platão.
[4]. Cannabis sativa = maconha!
[5]. Acendimento de fogo por meio da fricção de uma pedra sob uma superfície áspera (outra pedra, piso ou madeira dura).
[6]. Frase platônica.
[7]. Frase platônica.
[8]. Frase platônica.
[9]. Frase platônica.
[10]. Frase platônica.
[11]. Frase platônica.
[12]. Qualira = perôba = baitola = viado = homossexual.
[13]. Diotima de Mantinea é uma filósofa e sacerdotisa grega com um papel importante no Banquete de Platão. A filosofia de Diotima está na origem do conceito platônico de amor. A única fonte sobre ela é o próprio Platão e por isso não é possível assegurar se era uma personagem ou alguém que de fato tenha existido. Entretanto, praticamente todos os personagens dos diálogos platônicos correspoderam a pessoas que viviam na antiga Atenas.
[14]. A “Alegoria da Caverna” foi um mito sucessivamente interpretado por Platão, simbolizando a metafísica, a gnoseologia, a dialética, a ética e a mística platônica. Em sua totalidade, é o mito que expressa Platão de forma abrangente, deixando muitos paralelos com os dias atuais.  REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. Vol. I, São Paulo: Edições Paulinas, 1990,  pág. 168.
[15]. Amor platônico, na acepção vulgar, é toda a relação afetuosa ou idealizada em que se abstrai o elemento sexual, como num caso de amizade pura, entre duas pessoas. Esta definição, contudo, difere da concepção mesma do amor ideal de Platão, o filósofo grego da Antiguidade, que concebera o Amor como algo essencialmente puro e desprovido de paixões, ao passo que estas são essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas. O Amor, no ideal platônico, não se fundamenta num interesse (mesmo o sexual), mas na virtude. Fonte: Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor_plat%C3%B4nico)

2 comentários:

  1. ahahahahah... mermão, só mesmo a sapiência Pranchuriana para alentar esses momentos de angustia e aflição.

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  2. Pranchú, você é um poeta muito do qualira mesmo. huahuahua

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