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A vida da gente é um aperto! O que você acha?
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Pois é, a gente vive nesse aperto miserável e a mamãe
não economiza mesmo.
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É verdade! Veja o famigerado vício do cigarro, por
exemplo. Ela bem que poderia parar de fumar e economizar para o leite. Cê sabe,
o leite tá os olhos da cara!
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O pior é que não adianta espernear, bater, gritar ou
fazer greve de fome. Ela só dá razão ao vício.
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Você lembra quando nós dois ficamos uma noite sem
dormir e esperneávamos tanto que ela também não dormiu. Nossa Senhora, parecia
um dia de glória: “o embate de gerações.”
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É, mas no final
quem ganhou o embate foi ela. E para relaxar, tome cigarro e fumaça para os
nossos juízos.
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Acho que vou ter uma séria conversa com ela hoje a
noite ou, pelo menos, farei com que ela reflita a respeito de tudo.
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Tem jeito não irmãozinho! Você lembra quando ela bebeu
tanto uísque que vomitou toda aquela
feijoada do almoço? Eu nunca passei tão mal na minha vida ao ver aquela cena. O
cheiro da mistura me dá náuseas até hoje. Sabe o que ela fez depois? Fumou um
cigarrinho para se tranqüilizar!
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Uh,
que nojo! Eu me lembro sim! Aquele cheiro perdurou muito tempo no
ambiente.
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Sabe o que é pior? Eu hoje até que estou gostando do
cheirinho da fumaça do cigarro! É o mesmo que cheirar aquele lençol velho
desfiado, em que colocamos as partes
desfiadas no nariz e sentimos cócegas. Mantenho esse vício quando a mamãe pega
aquele leçolzinho velho de guerra.
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Eu também acho! Estou gostando também do cheirinho do
cigarro, mas eu odeio as baforadas no
rosto. É pior do que uma cuspida!
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Concordo! Baforada no rosto é o fim! E o pior é que, às
vezes, não dá nem para correr.
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Eu também não entendo a forma com que a mamãe segura o
cigarro. É uma delicadeza tão grande, uma sutileza magistral entre o fura-bolo
e o cata-piolho, as pernas estrategicamente cruzadas e o ar de empáfia
estampado no rosto. Eu nunca prestei atenção nas outras pessoas, mas será que
elas também ficam com esse ar de soberba quando fumam?
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Não sei, também não prestei atenção! Mas, já que você
falou sobre isso, acho que a mamãe tem mais delicadeza com o cigarro do que com
o papai. Certa vez eu a ouvi dando um conselho para uma amiga que estava
se divorciando, ela dizia: “homem é como
cigarro, quando não tiver mais nada o que dar e ficar só a piola, joga fora!”
Eu não entendi direito o que ela quis dizer com isso, mas acho que não é uma
coisa boa.
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Não sei se a mamãe é uma boa conselheira, só sei que
ela guarda o cigarro como se fosse um relicário. É uma pena, nem fotos da nossa
irmãzinha ela guarda direito.
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Irmãozinho, você
está vendo o que eu estou vendo?
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Baforada de novo, não!
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Corre irmãozinho, vai para algum lugar!
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Vou me esconder atrás do pulmão!
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Você tá doido? O pulmão está cheio de uma fuligem preta
nojenta que fica grudando nas mãos.
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Então me abrigarei pelo fígado!
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Que fígado? Esqueceu que o uísque da semana passada
comeu a metade do fígado! A mamãe ainda nem sabe disso. Fica quieto e se
esconde em outro lugar.
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Tudo bem, exceto no intestino que é uma merda.
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Cala a boca e corre para atrás do pâncreas!
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Mas lá tem um caroço do tamanho de uma mexerica. Vou
pra lá não!
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Fique perto das costelas e não se mexa!
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Mas as costelas estão tão debilitadas por causa do
cigarro que eu acho que não cabe nem a minha perna.
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Você é um irmão gêmeo muito burro!
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E você que é inteligente de mais, onde vai se esconder?
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Não vou me esconder, estou adorando esse cheirinho de
nicotina do Free! A minha cabeça fica muito doida!
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Então, já que você é o sabichão de nós dois, onde eu me
escondo?
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Sei lá! Te vira! Vai tomar no cu!
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Lá, não! De novo!
Essa
parábola, que conota a saga dos compassivos, remonta um vetusto ensinamento
pranchuniano relacionado ao filho renegado. Na ocasião, perguntaram a Pranchú
qual seria o tempo verbal da seguinte frase: “Isso não poderia ter acontecido”. Pranchú, no auge de sua sapiência
respondeu: “Preservativo imperfeito.”
Assim
falou Pranchú! [1]
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