sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DOS COMPASSIVOS



-                     A vida da gente é um aperto! O que você acha?
-                     Pois é, a gente vive nesse aperto miserável e a mamãe não economiza mesmo.
-                     É verdade! Veja o famigerado vício do cigarro, por exemplo. Ela bem que poderia parar de fumar e economizar para o leite. Cê sabe, o leite tá os olhos da cara!
-                     O pior é que não adianta espernear, bater, gritar ou fazer greve de fome. Ela só dá razão ao vício.
-                     Você lembra quando nós dois ficamos uma noite sem dormir e esperneávamos tanto que ela também não dormiu. Nossa Senhora, parecia um dia de glória: “o embate de gerações.”
-                     É,  mas no final quem ganhou o embate foi ela. E para relaxar, tome cigarro e fumaça para os nossos juízos.
-                     Acho que vou ter uma séria conversa com ela hoje a noite ou, pelo menos, farei com que ela reflita a respeito de tudo.
-                     Tem jeito não irmãozinho! Você lembra quando ela bebeu tanto  uísque que vomitou toda aquela feijoada do almoço? Eu nunca passei tão mal na minha vida ao ver aquela cena. O cheiro da mistura me dá náuseas até hoje. Sabe o que ela fez depois? Fumou um cigarrinho para se tranqüilizar!
-                     Uh, que nojo! Eu me lembro sim! Aquele cheiro perdurou muito tempo no ambiente.
-                     Sabe o que é pior? Eu hoje até que estou gostando do cheirinho da fumaça do cigarro! É o mesmo que cheirar aquele lençol velho desfiado,  em que colocamos as partes desfiadas no nariz e sentimos cócegas. Mantenho esse vício quando a mamãe pega aquele leçolzinho velho de guerra.
-                     Eu também acho! Estou gostando também do cheirinho do cigarro,  mas eu odeio as baforadas no rosto. É pior do que uma cuspida!
-                     Concordo! Baforada no rosto é o fim! E o pior é que, às vezes, não dá nem para correr.
-                     Eu também não entendo a forma com que a mamãe segura o cigarro. É uma delicadeza tão grande, uma sutileza magistral entre o fura-bolo e o cata-piolho, as pernas estrategicamente cruzadas e o ar de empáfia estampado no rosto. Eu nunca prestei atenção nas outras pessoas, mas será que elas também ficam com esse ar de soberba quando fumam?
-                     Não sei, também não prestei atenção! Mas, já que você falou sobre isso, acho que a mamãe tem mais delicadeza com o cigarro do que com o papai. Certa vez eu a ouvi dando um conselho para uma amiga que estava se  divorciando, ela dizia: “homem é como cigarro, quando não tiver mais nada o que dar e ficar só a piola, joga fora!” Eu não entendi direito o que ela quis dizer com isso, mas acho que não é uma coisa boa.
-                     Não sei se a mamãe é uma boa conselheira, só sei que ela guarda o cigarro como se fosse um relicário. É uma pena, nem fotos da nossa irmãzinha ela guarda direito.
-                     Irmãozinho,  você está vendo o que eu estou vendo?
-                     Baforada de novo, não!
-                     Corre irmãozinho, vai para algum lugar!
-                     Vou me esconder atrás do pulmão!
-                     Você tá doido? O pulmão está cheio de uma fuligem preta nojenta que fica grudando nas mãos.
-                     Então me abrigarei pelo fígado!
-                     Que fígado? Esqueceu que o uísque da semana passada comeu a metade do fígado! A mamãe ainda nem sabe disso. Fica quieto e se esconde em outro lugar.
-                     Tudo bem, exceto no intestino que é uma merda.
-                     Cala a boca e corre para atrás do pâncreas!
-                     Mas lá tem um caroço do tamanho de uma mexerica. Vou pra lá não!
-                     Fique perto das costelas e não se mexa!
-                     Mas as costelas estão tão debilitadas por causa do cigarro que eu acho que não cabe nem a minha perna.
-                     Você é um irmão gêmeo muito burro!
-                     E você que é inteligente de mais, onde vai se esconder?
-                     Não vou me esconder, estou adorando esse cheirinho de nicotina do Free! A minha cabeça fica muito doida!
-                     Então, já que você é o sabichão de nós dois, onde eu me escondo?
-                     Sei lá! Te vira! Vai tomar no cu!
-                     Lá, não! De novo!
            Essa parábola, que conota a saga dos compassivos, remonta um vetusto ensinamento pranchuniano relacionado ao filho renegado. Na ocasião, perguntaram a Pranchú qual seria o tempo verbal da seguinte frase: “Isso não poderia ter acontecido”. Pranchú, no auge de sua sapiência respondeu: “Preservativo imperfeito.”
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Os Irmãos Nicotina.



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