quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DA VITÓRIA SOBRE SI MESMO


            A cara já estava esbaforida, os dentes estavam trincados, a pressão intracraniana parecia que iria estourar o cabeçote, as meias pareciam extensões das glândulas sudoríparas, as mãos suavam igual ao corno da descrição de Nelson Rodrigues e a posição era fecal, digo, fetal. Depois desse extenso apanágio da posição do indivíduo em plena arte defecante pós-moderna, nada do caboclo descer.
            Depois da frustrante tentativa de botar o moreno pra nadar na privada, o sujeito sai todo engomadinho da casinha privada. Olha meio desconfiado para um lado, para o outro, mas nada que o abale ante a frustração do momento de depurar no banheiro da empresa.
            Fatigado e contrariado pela merda renegada, o sujeito volta a trabalhar. Senta-se em sua mesa, coloca uma das mãos e o cotovelo do outro braço na escrivaninha, inclina-se obliquamente, dá uma ligeira levantada na perna esquerda e alivia a sua angústia enrustida.
            A onomatopeia é acompanhada por uma emanação volátil e gasosa do corpo, cujo cheiro é peculiar do saturado de anidrido carbônico. Como se não bastasse o ato vil de usurpar o ambiente de trabalho com essas emanações, o sujeito ainda pensou em voz alta:
            - O peito é o grito de liberdade da merda oprimida!
            Todos olham para ele e, espantado com o potente decibel do seu próprio pensamento, o sujeito arremata:
            - Desculpem, saiu sem querer!
            Não importava mais, afinal, querendo ou não querendo, a ventosidade já tinha sido ventilada igual às fétidas palavras. Em que pesem as caras de espanto, o sujeito estava um pouco tranquilizado, mas nem tanto, afinal havia um urubu beliscando a sua cueca que insistia em não sair.
            Tudo era questão de psicologia, pois o urubu já era domesticado. Era tão domesticado que só tendia em sair se fosse no recanto sossegado do seu lar. É verdade, por mais que aquele sujeito tentasse exorcizar o caboclo no banheiro da empresa, o urubu só sairia para voar se fosse dentro do seu próprio lar.
            O sujeito procurou médico, pai-de-santo, cu-randeiro e até veterinário, mas nada do caboclo sair. O sintoma da moléstia que o sujeito era acometido chamava-se “constipação”, nome arredio para designar a prisão-de-ventre dos tempos da escravatura, do ventre-livre e do chazinho de boldo.
            Várias explicações eram dadas pelos médicos sobre a tal constipação.
            - Olhe, meu filho, acho que você tem a síndrome da intensidade intestinal, ou seja, você tem um intestino maior do que o dos outros, por isso você não defeca todo dia. Já o pai de santo dizia:
            - Mê-za-fí, tu tem o intestino preguiçoso, por isso que não consegue fazer descer o caboclo!
            O cu-randeiro pregava:
            - O problema é de prega!
            Já o veterinário prescrevia:
            - Não faça força no momento de liberar o urubu, caso contrário ele se retrairá.
            Até mesmo o sogro opinava:
            - Isso é frescura do seu frezado!
            Com tantos prognósticos, só restava o consolo de que a posologia, em geral, era uma só: purgante de efeito brando em suaves doses, além de cereais e fibras. Caso ficasse mais de cinco dias sem botar o moreno para nadar, teria que tomar o purgante em dose cavalar, tendo uma resposta efetiva e imediata.
            O sujeito passou a andar com uma pilulazinha verde no bolso, cujo significado estava ligado à felicidade do sujeito perante o trono da empresa onde trabalhava. Era a pílula da escolha pela fuga da Matrix, dando, é claro, uma passadinha no banheiro da empresa antes.
            Com essas dificuldades que presenciamos diariamente, podemos inferir que todo cagão é feliz e não sabe. Esse não é um problema endêmico, mas um problema geral que o povo não comenta por causa da vergonha que geralmente cerca as histórias do oiti. Era como dizia o velho filósofo Pranchú, nos idos de 1969, em sua passagem pelo Carnaval de Cabedelo, na Paraíba:
            Pegar mulher feia e cagar todo mundo faz, mas ninguém gosta de comentar.
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Constipação S/A (Sozinho e Anônimo).

Nenhum comentário:

Postar um comentário