Retórica das Paixões[1]
- Pô, mas com um nome desses, você queria o quê? Desculpe
a franqueza, mas parece nome de local onde só vai doido ou alguma coisa do
gênero!
Essa frase foi retirada do início de um prodigioso colóquio
havido em Atenas, aproximadamente em 310 a.C., quando dois estudantes discutiam
sobre a atitude do pai do estudante mais novo. O diálogo principiou-se questionando
as atitudes do referido pai quando cobrava do filho empenho nas aulas de
lógica, biologia, zoologia, matemática, física, metafísica e tantas outras
disciplinas não menos diferentes das dos dias de hoje.
- O professor Rhibamar[2],
de biologia, não poderia ter mostrado a minha nota diretamente ao meu pai. Se
ele me entregasse antes, talvez eu pudesse utilizar a única coisa que realmente
aprendi bem até os dias de hoje: a retórica. Quem sabe eu mudaria a minha nota
utilizando a velha e boa retórica[3]
para um contexto de dúvida, afinal “a dúvida
é o princípio da sabedoria.”[4]
- Belas palavras, Ari! Mas se você realmente conseguisse
mudar a sua nota com base na retórica, eu seria seu eterno discípulo. O
problema é que o zero é uma nota originária de uma linguagem universal e
bastante persuasiva, quase imune à retórica. Sinceramente, amigo véi, acho que
biologia não é bem a sua área de expertise.
- Pois é, mas o que devo fazer agora? O meu pai, o velho e
bruto Nicômaco, vai comer o meu fígado por causa dessa nota e por causa da
mentira que contei, já que não tive coragem de dizer a nota a ele. Já estou até
imaginando o castigo: ele vai me levar para a repartição e me deixar preso
naquela biblioteca do velho Alexandre por uns seis meses, no mínimo.
- Te acalmes amigo e veja pelo lado bom. Quem sabe você,
durante esse tempo, possa refletir sobre tudo o que aconteceu. Veja só, mentira
é algo que fere a moral, que, por sua vez, faz parte da ética. Sei lá, de
repente você reflete um pouco a respeito da Ética
a Nicômaco[5],
o seu velho pai. Já que você estará de castigo na biblioteca do velho Alexandre
mesmo, pense no tanto de bobagem que você anda fazendo com essa tal de Retórica[6],
que um dia vai acabar te fudendo de verdade.
-
Gostei de suas sugestões, mas ficarei muito tempo isolado e bastante solitário
durante esse período. “O homem solitário
é uma besta ou um deus.”[7]
- Não ficarás solitário, meu caro amigo Ari! No momento em
que ninguém ora pro nobis, quem sabe
refletes sobre “Virtudes e Vícios”[8]
e enceta o monólogo do onanista. É uma excelente oportunidade para refletir
durante o autoflagelo sexual. Se não estiveres inspirado, lembre-se do capitãozinho[9]
e dos demais incentivos que ganhávamos da professora Valéria Messalina Augusta[10]
nas épocas de intercâmbio em Roma.
- Meu nobre amigo Pran, estou quase pedindo e propondo
esse castigo ao meu pai. Você tem toda razão. “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer!”[11]
Vou me ferrar nessa merda de biblioteca, mas será por uma boa causa, afinal “a educação tem raízes amargas, mas os seus
frutos são doces.”[12]
Vou encarar de frente o velho e bruto Nicômaco, meu pai, mas sei que vem
peia daí!
- Pô, mas com um nome desses, você queria o quê? Desculpe
a franqueza, mas parece nome de local onde só vai doido ou alguma coisa do
gênero! (diálogo inicial). Nicômaco parece originário de Manicômio, por isso
que você é meio maluco e tem o juízo no pé esquerdo. Para completar essa sua maluquice,
só faltava você ser filósofo e expert em biologia[13],
essa matéria que você se fudeu agora. Pense numa ironia do destino!
- Isso é uma provocação, amigo Pran? Conheço-te bem e sei
que “o sábio nunca diz tudo o que pensa,
mas pensa sempre tudo o que diz.”[14]
- Quem sou eu para provocar alguma coisa, caro Ari! Estou
só fazendo um breve comentário sobre algumas possibilidades da vida, afinal,
não é de boa prudência provocar um sujeito maluco como você. Aliás, não duvido
absolutamente nada que, para curar essa doidera, você enverede também pelo ramo
da psicologia[15].
- Essa também é uma boa ideia, amigo Pran, pois “nunca existiu uma
grande inteligência sem uma veia de loucura”[16].
- É verdade, Ari, mas você é o tipo de doido que nem o Dr.
Gardenal, aquele proprietário do hospício de Atenas, dá jeito! Enfim, em todo
caso, se eu fosse você, aproveitaria o seu desiderato de bom grado e também
chamaria o Prof. Platão para lhe acompanhar, já que ele é um velho maconheiro e
que não fala coisa com coisa mesmo. Quem sabe vocês não criam alguma coisa juntos[17]!
- Amigo Pran, agradeço as suas sugestões, mas é melhor
parar de me dar ideias! Estou com o meu caldeirão fervilhando de insights e
preciso urgentemente de uma Brejeira de
Rhodes[18] antes do almoço, que é “muito bom pra ficar pensando melhor”[19].
Você é um amigo muito dedicado e que contribui bastante para o meu singelo
crescimento. Só tenho mais uma coisa a te dizer: sou baixinho, mas “se vi ao longe é porque estava nos ombros
dos gigantes.”[20] Obrigado,
meu amigo!
E assim, a história demonstrou que o pequeno Ari
transmutou-se no gigante Aristóteles, tudo como um desafio ao onipresente
filósofo iluminista Pranchú e seus ensinamentos subliminares. Ao final do
colóquio acima, o prodigioso Pranchú retruca a conclusão aristotélica com uma
frase que um dia se tornaria pergaminho:
“Se vistes ao longe,
amigo, é porque ginecologista tu és, pois enxergas lá na casa do caralho!”
Assim falou Pranchú!
[1]. Retórica das Paixões é a segunda obra sobre Retórica do filósofo
grego Aristóteles. O que Aristóteles se dispõe
explicitamente a mostrar em sua Retórica é que as paixões constituem um teclado
no qual o bom orador toca para convencer. Um crime horrível deverá suscitar
indignação, ao passo que um delito menor, absolutamente perdoável, deverá ser
julgado com compaixão. Para despertar tais sentimentos, é preciso conhecer os
que existem antes de tudo no instigador do auditório. Há aí uma verdadeira
dialética passional, que se enreda sempre em retórica com um ajuste das diferenças,
das contestações, o qual deve chegar, para que haja persuasão, a uma
identidade, o ideal político de toda uma relação com outrem.
[2]. Referência ao grande
mestre Ribamar, excepcional professor de biologia em Campina Grande (PB) e
alhures.
[3]. Retórica (do
latim rhetorica, originado no grego ῥητορικὴ τέχνη [rhêtorikê],
literalmente a «arte/técnica de bem falar», do substantivo rhêtôr,
«orador») é a arte de usar uma linguagem para comunicar de
forma eficaz e persuasiva.
[4]. Frase aristotélica.
[5]. Ética a Nicômaco (em grego: Ἠθικὰ
Νικομάχεια transl. Ēthicà
Nicomácheia; em latim: Ethica
Nicomachea) é a principal obra de Aristóteles sobre Ética.
Nela se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática,
sua concepção da virtude como
mediania e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência.
[6]. Retórica é uma obra do filósofo grego Aristóteles.
É composto por três livros (I: 1354a - 1377b, II: 1377b - 1403a, III: 1403a -
1420a) e não existem dúvidas acerca da autenticidade da obra.
[7]. Frase aristotélica.
[8]. Das virtudes e vícios (De Virtutibus et Vitiis Libellus, em latim) é o
mais breve dos quatro tratados de ética
atribuídos a Aristóteles. A obra, atualmente, é considera espúria por acadêmicos e
suas verdadeiras origens são incertas, ainda que provavelmente foi criada por
um membro da escola
peripatética.
[9]. A. Bolinho de arroz, feijão e
farinha feito com a mão. As mães utilizam o truque para incentivar o apetite
das crianças. B. Fazer capitãozinho - quanto a namorada aperta o pênis do
namorado carinhosamente e de forma repetitiva. Fonte: Dicionário de Cearês
- Termos e expressões populares do Ceará, Marcus Gadelha, Clio Editora (7ª.
Edição), 2010.
[10]. Messalina
foi a mulher do imperador Romano Claudius. Foi conhecida por ser adúltera e
inescrupulosa. Em um episódio desafiou a maior prostituta de Roma para um duelo
em que sairia vencedora aquela que transasse com o maior número de homens em 24
horas. A prostituta no meio da disputa desistiu por não aguentar mais e a
Messalina continuou por mais de24 horas. Transformou o palácio em um bordel e
ainda tentou matar Claudius. Hoje em dia Messalina é sinônimo de mulher fácil,
galinha, mulher bandida, sem caráter e adultera, ou seja, sinônimo de vadia,
puta mesmo.
Fonte: http://www.dicionarioinformal.com.br/messalina/
[11]. Frase aristotélica.
[12]. Frase aristotélica.
[13]. No ano de 343
a.C., de volta a Atenas, Aristóteles fundou o Lykeion, origem da palavra Liceu
(lyceum) cujos
alunos ficaram conhecidos como peripatéticos (os
que passeiam), nome decorrente do hábito de Aristóteles de ensinar ao ar livre,
muitas vezes sob as árvores que cercavam o Liceu. Ao contrário da Academia
de Platão, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Alexandre mesmo
enviava ao mestre exemplares da fauna e flora das regiões conquistadas. O trabalho
cobria os campos do conhecimento clássico de então, filosofia, metafísica, lógica, ética, política, retórica,
poesia, biologia, zoologia, medicina e estabeleceu
as bases de tais disciplinas quanto a metodologia científica.
[14]. Frase aristotélica.
[15]. Obras de Aristóteles sobre a PSICOLOGIA: Sobre a Alma; Sobre a Sensação
(= Parva Naturalia 1); Sobre a Memória (= Parva Naturalia 2); Sobre o Sono e a
Vigília (= Parva Naturalia 3); Sobre os Sonhos (= Parva Naturalia 4); Sobre a
Predição pelos Sonhos (= Parva Naturalia 5); Sobre a Longevidade e a Brevidade
da Vida (Parva Naturalia 6); Sobre a Juventude e a Velhice (= Parva Naturalia
7); e, Sobre a Respiração (=Parva Naturalia 8).
[16]. Frase aristotélica.
[17]. Juntamente com Platão e
Sócrates, Aristóteles é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental.
[18]. Brejeira = cachaça
fabricada no brejo, típica do brejo paraibano. Rhodes: a maior das ilhas do
Dodecaneso, situadas no Mar Egeu e que integra o território administrado pela
Grécia; famosa devido ao Colosso de Rhodes.
[19]. Frase utilizada no futuro
por um filósofo pernambucano chamado Chico Science.
[20]. Frase aristotélica.
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