“Seria
inverídica não fosse venérea!” Essa frase foi o alicerce de uma espirituosa
tese jurídica, lastreada pelos pergaminhos pranchunianos, originária da sapiência
e malandragem de um advogado lá da Paraíba, o Dr. Dalônio, amigo deste escriba
e autor venéreo da citada. Sujeito
com a presença de espírito mais rápida do velho oeste e nordeste, o Dr. Dalônio
foi contratado para tirar uma conhecida empresa de Campina Grande de uma
enrascada tão risível quanto onerosa, que poderia, inclusive, ter uma
repercussão bastante negativa para a cidade.
Há alguns anos, uma conhecida e
prestigiada atriz global foi contratada para fazer um comercial para a TV
Paraíba, afiliada da TV Globo em Campina Grande, interior paraibano. Antes,
porém, de chegar à Serra da Borborema, a atriz decidiu fazer um breve turismo
contemplativo em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Saiu da Praia de Pipa,
passou por Ponta Negra, onde alisou o Morro do Careca, chegou em Pirangi, onde
catou caju, e acabou-se em Genipabu, onde a rima é proibida! Em todo canto,
acompanhada de seu namorado, registrou tudo em memoráveis fotografias, cuja
lembrança talvez se estendesse mais do que se suporia.
Ao chegar a Campina Grande, a moça
decidiu revelar as fotos tiradas em terras potiguares, oportunidade em que se
dirigiu à melhor empresa da cidade para tal intento. O dono da empresa, ao
reconhecer de plano a atriz, lembrando-a da última novela das seis, decidiu
guardar algumas fotos da moça. Dizia ele ser fã da atriz, mesmo que isso
representasse ao menos sessenta anos de embate de gerações, considerando ser
ele um dos inventores do lambe-lambe e ela uma atriz oriunda de Malhação.
Pois bem, dois anos após a visita da
atriz, o senhor lambe-lambe decidiu dar uma turbinada nos negócios,
oportunidade em que utilizou as fotografias guardadas da atriz em uma peça
publicitária na mesma TV Paraíba. Na propaganda, divulgada para toda a região
de Campina Grande e alhures, a moça aparecia em uma foto retirada na praia de
Genipabu, em cima de um jegue, e com uma linda paisagem ao fundo. Sonorizando a
imagem, o locutor mandava o seguinte slogan: “Revele aqui e seja artista da sua vida!” E que artista esse
lambe-lambe era!
Depois de dois meses no ar, a
propaganda foi obrigada a deixar de ser veiculada por determinação judicial e o
senhor lambe-lambe instado judicialmente por meio de uma ação de danos morais e
materiais ajuizada pela atriz. Como se diz na Paraíba, a pemba era gigante e calculada por meio de pesadas custas judiciais.
Até aí, nada mais do que um causo judicial que não passaria dos corredores do
Fórum Afonso Campos, em Campina Grande, competente para o feito, mas não era
apenas isso!
Desesperado ao receber a citação,
carregada de zeros no cifrão, o ilustre empresário buscou contratar os melhores
advogados da cidade. Em todos os contatos feitos, o prognóstico judicial era
mesmo: fumus! Jargão latinístico que
significava não só a perda provável do processo como uma jeba gigantesca nos
cofres do senhor lambe-lambe. Como já sabia que a peixeira iria entrar no bucho
dele até arriar todos os seus tostões, o espertalhão resolveu não gastar
dinheiro com advogados caros e decidiu contratar um advogado menos dispendioso,
o que não significa menos astuto. Foi nesse cenário que o Dr. Dalônio apareceu
e foi contratado.
Recebida a contestação, malgrada a proposta de
acordo, o d. juízo cível da Comarca de Campina Grande agendou a audiência de instrução
e julgamento, onde as partes finalmente se encontraram. A audiência, claro, foi
cercada de muitos holofotes e todos os bons temperos de uma novela das nove.
Iniciada a audiência, a atriz foi instada sobre a possiblidade de acordo, mas
ela se mostrou bastante reticente com tal proposta porquanto tenha ficado ainda
mais chateada com os termos apresentados pela defesa na ocasião de sua
contestação.
Naquele instante, o então réu,
outrora nobilíssimo empresário campinense, olhou fulminantemente para o Dr. Dalônio,
puxando-o pelo paletó e dizendo em voz baixa:
-
Que porra você colocou naquela merda de contestação?
O Dr. Dalônio, aproveitando a deixa,
pede a palavra ao douto juiz e explica:
- Senhora atriz, não quero deixá-la desapontada, mas há um grande equívoco
na sua ação. Ao contrário do que a senhora imagine, a foto divulgada pela
empresa não quis utilizar a sua imagem, mas quis exaltar a imagem daquele que
representa o grande motivo de orgulho e admiração do nordestino: o jegue. O
jegue é objeto de verso, prosa e já foi cantado em diversas ocasiões, inclusive
por filhos ilustres da região, como Genival Lacerda. O jegue carregou até mesmo
Jesus Cristo! Lamento muito se a senhora saiu na foto, mas tenha certeza que a
homenagem era para um filho da região.
A intervenção do Dr. Dalônio foi
exprimida com muito ressentimento e com gestos singelos, sendo uma
interpretação muito mais convincente do que aquela que a própria atriz tentava
fazer naquele instante. Aliás, todos os gestos da atriz eram tidos como mera
interpretação. Os paparazzi paraibanos escutavam tudo nos corredores do fórum e
replicavam diretamente na Rádio Campina FM (93,1), Panorâmica FM (97,3),
Correio FM (98), Caturité AM (1050) e todas as demais rádios do sertão.
Após a manifestação do Dr. Dalônio,
o alarido tomou conta da sala de audiência. Era um misto entre a surpresa, a
hesitação e a excitação, a favor ou contra a tese. Em todo caso, a gargalhada
não conseguiu ficar de fora. O juiz não conseguia deixar de mostrar os dentes
no canto da boca. O advogado da atriz não sorria, mas lacrimejava no afã de
segurar a gargalhada. O escrivão e os demais presentes não se contiveram, até
que a atriz pedisse a palavra para se manifestar novamente.
-
É doutor, devo ser uma jumenta mesmo, pois jamais deveria ter revelado as
minhas fotos nesse fim de mundo!
Pronto, a atriz cometeu o pecado
mortal, qual seja, colocou todos daquele recinto contra ela, afinal todos eram
residentes e domiciliados naquele fim de mundo, inclusive o próprio juiz. Daí
pra frente, embora o direito da atriz fosse plausível, o ânimo em favor dela
fenecia, assim como feneceu Odete Roitman, Nazaré, Perpétua, Laurinha Figueroa
e tantas outras vilãs das novelas da Globo. De uma hora para a outra, não é que
a tese do jegue começou a ser benquista!
Pois bem, horas após o início da
instrução, com o levante de uma verdadeira ode ao jegue e o direito de imagem
da atriz indo para o saco, o senhor lambe-lambe, mormente réu no processo, olha
para a atriz e propõe:
-
Te pago dez por cento do que você pediu para encerrarmos o processo, aceita?
Com um pesadume sem tamanho, porém sem alternativa
para o momento, a atriz aceitou a proposta. Acordo batido, assinado e
sacramentado! A moça saiu e não desejou seque boa-tarde aos presentes. O senhor
lambe-lambe ficou satisfeito com o acordo, pois saiu muito mais barato do que
os honorários de qualquer advogado renomado da cidade.
Entre mortos e feridos, o jegue se
saiu verdadeiramente vencedor daquele embate judicial. O Dr. Dalônio, mesmo sem
ganhar aquilo que realmente merecia, foi ovacionado pelos confrades e alçado
como o verdadeiro pai do jegue, sem que isso o diminua profissionalmente. Ao ser
questionado sobre a sua linha de defesa, o Dr. Dalônio sustentou a tese do
jegue, com um sorriso pilantra e uma célebre encíclica pranchuniana:
“-
Seria inverídica não fosse venérea!”
Assim falou Pranchú!
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