quarta-feira, 1 de agosto de 2012

DO ESPIRITUOSO E DO PESADUME



            “Seria inverídica não fosse venérea!” Essa frase foi o alicerce de uma espirituosa tese jurídica, lastreada pelos pergaminhos pranchunianos, originária da sapiência e malandragem de um advogado lá da Paraíba, o Dr. Dalônio, amigo deste escriba e autor venéreo da citada. Sujeito com a presença de espírito mais rápida do velho oeste e nordeste, o Dr. Dalônio foi contratado para tirar uma conhecida empresa de Campina Grande de uma enrascada tão risível quanto onerosa, que poderia, inclusive, ter uma repercussão bastante negativa para a cidade.
            Há alguns anos, uma conhecida e prestigiada atriz global foi contratada para fazer um comercial para a TV Paraíba, afiliada da TV Globo em Campina Grande, interior paraibano. Antes, porém, de chegar à Serra da Borborema, a atriz decidiu fazer um breve turismo contemplativo em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Saiu da Praia de Pipa, passou por Ponta Negra, onde alisou o Morro do Careca, chegou em Pirangi, onde catou caju, e acabou-se em Genipabu, onde a rima é proibida! Em todo canto, acompanhada de seu namorado, registrou tudo em memoráveis fotografias, cuja lembrança talvez se estendesse mais do que se suporia.
            Ao chegar a Campina Grande, a moça decidiu revelar as fotos tiradas em terras potiguares, oportunidade em que se dirigiu à melhor empresa da cidade para tal intento. O dono da empresa, ao reconhecer de plano a atriz, lembrando-a da última novela das seis, decidiu guardar algumas fotos da moça. Dizia ele ser fã da atriz, mesmo que isso representasse ao menos sessenta anos de embate de gerações, considerando ser ele um dos inventores do lambe-lambe e ela uma atriz oriunda de Malhação.
            Pois bem, dois anos após a visita da atriz, o senhor lambe-lambe decidiu dar uma turbinada nos negócios, oportunidade em que utilizou as fotografias guardadas da atriz em uma peça publicitária na mesma TV Paraíba. Na propaganda, divulgada para toda a região de Campina Grande e alhures, a moça aparecia em uma foto retirada na praia de Genipabu, em cima de um jegue, e com uma linda paisagem ao fundo. Sonorizando a imagem, o locutor mandava o seguinte slogan: “Revele aqui e seja artista da sua vida!” E que artista esse lambe-lambe era!
            Depois de dois meses no ar, a propaganda foi obrigada a deixar de ser veiculada por determinação judicial e o senhor lambe-lambe instado judicialmente por meio de uma ação de danos morais e materiais ajuizada pela atriz. Como se diz na Paraíba, a pemba era gigante e calculada por meio de pesadas custas judiciais. Até aí, nada mais do que um causo judicial que não passaria dos corredores do Fórum Afonso Campos, em Campina Grande, competente para o feito, mas não era apenas isso!
            Desesperado ao receber a citação, carregada de zeros no cifrão, o ilustre empresário buscou contratar os melhores advogados da cidade. Em todos os contatos feitos, o prognóstico judicial era mesmo: fumus! Jargão latinístico que significava não só a perda provável do processo como uma jeba gigantesca nos cofres do senhor lambe-lambe. Como já sabia que a peixeira iria entrar no bucho dele até arriar todos os seus tostões, o espertalhão resolveu não gastar dinheiro com advogados caros e decidiu contratar um advogado menos dispendioso, o que não significa menos astuto. Foi nesse cenário que o Dr. Dalônio apareceu e foi contratado.
             Recebida a contestação, malgrada a proposta de acordo, o d. juízo cível da Comarca de Campina Grande agendou a audiência de instrução e julgamento, onde as partes finalmente se encontraram. A audiência, claro, foi cercada de muitos holofotes e todos os bons temperos de uma novela das nove. Iniciada a audiência, a atriz foi instada sobre a possiblidade de acordo, mas ela se mostrou bastante reticente com tal proposta porquanto tenha ficado ainda mais chateada com os termos apresentados pela defesa na ocasião de sua contestação.
            Naquele instante, o então réu, outrora nobilíssimo empresário campinense, olhou fulminantemente para o Dr. Dalônio, puxando-o pelo paletó e dizendo em voz baixa:
            - Que porra você colocou naquela merda de contestação?
            O Dr. Dalônio, aproveitando a deixa, pede a palavra ao douto juiz e explica:
            - Senhora atriz, não quero deixá-la desapontada, mas há um grande equívoco na sua ação. Ao contrário do que a senhora imagine, a foto divulgada pela empresa não quis utilizar a sua imagem, mas quis exaltar a imagem daquele que representa o grande motivo de orgulho e admiração do nordestino: o jegue. O jegue é objeto de verso, prosa e já foi cantado em diversas ocasiões, inclusive por filhos ilustres da região, como Genival Lacerda. O jegue carregou até mesmo Jesus Cristo! Lamento muito se a senhora saiu na foto, mas tenha certeza que a homenagem era para um filho da região.
            A intervenção do Dr. Dalônio foi exprimida com muito ressentimento e com gestos singelos, sendo uma interpretação muito mais convincente do que aquela que a própria atriz tentava fazer naquele instante. Aliás, todos os gestos da atriz eram tidos como mera interpretação. Os paparazzi paraibanos escutavam tudo nos corredores do fórum e replicavam diretamente na Rádio Campina FM (93,1), Panorâmica FM (97,3), Correio FM (98), Caturité AM (1050) e todas as demais rádios do sertão.
            Após a manifestação do Dr. Dalônio, o alarido tomou conta da sala de audiência. Era um misto entre a surpresa, a hesitação e a excitação, a favor ou contra a tese. Em todo caso, a gargalhada não conseguiu ficar de fora. O juiz não conseguia deixar de mostrar os dentes no canto da boca. O advogado da atriz não sorria, mas lacrimejava no afã de segurar a gargalhada. O escrivão e os demais presentes não se contiveram, até que a atriz pedisse a palavra para se manifestar novamente.
            - É doutor, devo ser uma jumenta mesmo, pois jamais deveria ter revelado as minhas fotos nesse fim de mundo!
            Pronto, a atriz cometeu o pecado mortal, qual seja, colocou todos daquele recinto contra ela, afinal todos eram residentes e domiciliados naquele fim de mundo, inclusive o próprio juiz. Daí pra frente, embora o direito da atriz fosse plausível, o ânimo em favor dela fenecia, assim como feneceu Odete Roitman, Nazaré, Perpétua, Laurinha Figueroa e tantas outras vilãs das novelas da Globo. De uma hora para a outra, não é que a tese do jegue começou a ser benquista!
            Pois bem, horas após o início da instrução, com o levante de uma verdadeira ode ao jegue e o direito de imagem da atriz indo para o saco, o senhor lambe-lambe, mormente réu no processo, olha para a atriz e propõe:
            - Te pago dez por cento do que você pediu para encerrarmos o processo, aceita?
             Com um pesadume sem tamanho, porém sem alternativa para o momento, a atriz aceitou a proposta. Acordo batido, assinado e sacramentado! A moça saiu e não desejou seque boa-tarde aos presentes. O senhor lambe-lambe ficou satisfeito com o acordo, pois saiu muito mais barato do que os honorários de qualquer advogado renomado da cidade.
            Entre mortos e feridos, o jegue se saiu verdadeiramente vencedor daquele embate judicial. O Dr. Dalônio, mesmo sem ganhar aquilo que realmente merecia, foi ovacionado pelos confrades e alçado como o verdadeiro pai do jegue, sem que isso o diminua profissionalmente. Ao ser questionado sobre a sua linha de defesa, o Dr. Dalônio sustentou a tese do jegue, com um sorriso pilantra e uma célebre encíclica pranchuniana:
            “- Seria inverídica não fosse venérea!”
           
            Assim falou Pranchú!

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