quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PRANCHÚ E OS FILÓSOFOS GLUTÕES



    Pranchú andou por desertos áridos e florestas úmidas. Conheceu homens e mulheres simples, de pouco conhecimento, e argumentou com sábios detentores de conhecimentos milenares. Descrevemos aqui a incrível passagem de Pranchú pelo antigo templo de Delphos , na Grécia, onde proseou com os filósofos glutões. 

    Pranchú chegu a Delphos e passando pelas ruelas da cidade começou a escutar um burburinho sobre sua presença ali. Os locais comentavam "quem é esta figura de chapéu de couro ?" ou "de onde veio o forasteiro com uma peixera * ?". Apesar da antiga Grécia ser cosmopolita sempre um estranho era notado e sua reputação posta em dúvida. Todos queriam saber de onde vinha aquele indivíduo, se era o mesmo do qual se falava que respondia com destreza às questões mais complexas da natureza humana. Os comentários sobre a presença de Pranchú chegaram ao conselho dos Filósofos Glutões, sábios que regiam as leis por ali e debatiam sobre as questões cruciais daquela já tão avançada sociedade. Passavam o dia em um templo dedicado a eles mesmo, discutindo, comendo e bebendo.
    Através de um moleculah ** Pranchú foi avisado que um convite lhe fora feito para jantar com os sábios do conselho. O garoto de recados esperou que Pranchú desse uma baforada no seu cigarro pé de burro. Pranchú cuspiou em uma escarradeira de porcelana próxima e disse: "volta lá, abestado, e diz que na hora da Ave Maria eu chego". O moleque correu de volta para o templo e anunciou a boa nova. 
    Entretanto a intenção dos sábios não era das melhores. Cientes do poder intelectual do forasteiro sentiram medo, pois assim são os homens de poder. Arquitetaram então planos para que o mesmo fosse humilhado a qualquer custo. Para eles Pranchú não poderia se sobressair nas discussões pois os filósofos seriam desmoralizados e seu poder, baseado na ignorância alheia, seria naturalmente descreditado, gradualmente destituído. As horas passaram e o coral de crianças castrati entoaram a Ave Maria no coreto da praça principal em frente à igreja matriz. 
    Os filósofos sentaram à mesa a espera de seu conviva. Um bode seria sacrificado e uma buchada com fios dourados lhe seria oferecida. Vinhos das vinículas mais nobres foram postos na adega principal e até mesmo uma bebida destilada de origem desconhecida chamada 51 A.C. foi trazida para o grande evento. Transeuntes pararam em frente ao templo e começavam a se acotovelar para pegar um lugar de onde conseguissem escutar o debate. Tal embate seria histórico e tinham tanta razão que hoje estamos aqui revisitando estas páginas amareladas da História. 
    Pranchú chegou ao templo e pouco a pouco as pessoas abriam espaço para o caminho rumo à mesa. Lá estavam todos os filósofos, seis ao todo, conversando entre si e fingindo não perceberem o convidado entrar, pois assim são os arrogantes. Pranchú chegou à beira da mesa e se apresentou dizendo:
     Ôpa ! 
    Os filósofos se entreolharam censurando as palavras econômicas daquele que disseram ser um sábio. Esperavam uma introdução formal, talvez até uma poesia ressaltando seus próprios feitos. Mas não. Entretanto Pranchú quebrou o breve silêncio com uma pergunta: 
    Será que rola uma cachacinha ? 
    Desta vez os sabios não apenas se entreolharam, mas também começaram a comentar , todos juntos, sobre o que seria aquela figura misteriosa. E ainda mais: o que seria "uma cachacinha" ? Seria alguma espécie de embate verbal ? Físico ? Seria uma ofensa ? Um elogio ? Ao ver a dúvida no ar Pranchú desfez o mistério dizendo em voz alta:
    Vocês deixem de frescura e me passem aquela garrafa de 51 que eu tô com uma sede arretada ... 
    Um serviçal foi chamado para servir o forasteiro que lhe tomou a garrafa retirando a rolha com os dentes. Sorveu o líquido desconhecido em goladas consistentes. Quando Pranchú deixou a garraffa na mesa um rapaz cheirou o conteúdo da mesma e caiu no chão desacordado, sendo socorrido pelos demais serviçais. Tal bebida não era para neófitos. 
    Pranchú sentou-se e passou em revista todos os filósofos. Sábio que é sentiu o clima de cilada mas ficou tranquilo, pois assim são os guerreiros. Foi quando um filósofo dentre os seis, talvez o mais velho, se dirigiu a Pranchú dizendo: 
    Oh forasteiro vindouro de terras desconhecidas, o que trazes de oferenda para este jantar ? Ou é de costume de teu povo chegar à uma mesa sem nada trazer ? 
    Toda a mesa estrondou em uma volumosa gargalhada. Pranchú deixou o silencio lhe dar a vez da palavra respondendo à pergunta com outra: 
    E vocês tão liso é ? Tão procurando um macho pra lhes sustentar ? Ô careca me passa esse pedaço de pão aí pra eu tirar o ranso dessa cachaça. 
    Os filósofos se calaram e alguns levantaram as sobrancelhas surpresos, mas o povo que via de fora o desenrolar da cena gargalhou com tamanha audácia daquele homem simples. Perceberam que Pranchú estando à mesa era como se cada um deles estivesse ali comendo e bebendo do melhor,  fazendo desfeita dos bossais. 
    Um outro filósofo limpou a garganta e um pouco mais comedido perguntou: 
    Oh forasteiro desconhecido, de onde vens, para onde vais e o que fazes aqui ? 
    Pranchú com a boca cheia de pão respondeu: 
    Vim falar com sua mãe e vou embora com sua irmã ... 
    A esta altura do "debate" o povo já estava em polvorosa , vibrando muito e quase invadindo o templo para melhor escutar aquele que veio de longe e que com poucas palavras constrangia tantos sábios de uma só vez. Ao perceber que a situação lhe estava desfavorável um dos filósofos colocou a mão na perna de Pranchú e disse:
    Vou te lançar um enigma, e tal qual a Esfinge, decifra-me ou te devoro ...
    Foi aí que Pranchú sacou da sua peixera e com as costas da lâmina tirou a mão do desafiante de sua perna, proferindo:
        Já entendi tudo ! Vocês são tudo é peroba ! Ficam aí tudo enfurnado nessa loca aqui trocando o fio fó ! É como digo:

"Diga-me com quem andas que te direi quem comes" 

Assim falou Pranchú !

    Dizem que após a passagem de Pranchú os princípios da democracia contagiaram os populares gregos ...

* faca amolada pra dedéu
** Moleculah palavra de origem árabe que significa: moleque , vai aculá, por Alah ! 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O ELO PERDIDO





    Desde os primórdios até hoje em dia o homem ainda faz o que o macaco fazia, ou seja, ele fede. O homem adulto explode em uma proliferação infinita de pêlos que , como resultando de sua labuta diária, cria a fedentina. Sempre foi assim. E foi pior, até que com o advento do sabonete a fedentina se transformou na famigerada nhaca. Se o sabonete é bom a nhaca não ofende o olfato. Se o sabonete é ruim ele dá vazão ao cheiro sobre o qual se conclui: 'há um macaco mal lavado no recinto' ! 
    Pois bem, até o sabonete a humanidade de fato evoluía. Por ter a mulher como inspiração para tudo, aparatos químicos foram criados para que estas encobrissem seus odores, digamos, nada nobres. A eterna busca da fonte de juventude contida em um recipiente de cinquenta reais para nossas musas inspiradoras fez eclodir uma série de produtos em forma de creme, líquido e pó para que a mulher da vida real ficasse mais perto daquela idealizada no amor platônico. Em nossos sonhos infanto-juvenis a mulher platoniana flatula Leite de Rosa e tem um bafo de capim santo. Em termos de higiene pessoal a humanidade achou o elo perdido: o sabonete para o macho e demais produtos para a mulher.
    Muitos dirão 'mas isto é um exagero' ! O homem também usa shampoo ! Errado. E  utilizo exemplos para provar que o uso do shampoo pode ter sido o começo do fim. Perguntando ao meu avô como é possível ter uma cabeleira e um bigode brancos, de textura leitosa, ele responde sem titubiar: 'sabão de côco, abestado' ! No ímpeto de  perguntar ao meu pai se ele usa shampoo sua calvície me faz calar, impedindo uma questão estúpida. Portanto ou o macho usa sabão de côco ou é calvo. O shampoo foi portanto o começo desta derrocada. 
    Não se sabe ao certo mas estatísticas podem provar (sim ! as estatísticas são as damas de companhia dos argumentos) que tudo começou quando um menino (não se sabe qual, não se sabe mesmo se foi apenas um, não se sabe de porra nenhuma) entrou nos aposentos de sua mãe enquanto ela estava na cozinha e começou a vasculhar os produtos alquímicos embelezatórios: pó pro rosto, creme pras mãos, batons ... Neste momento (caso o leitor pudesse ver a cena) uma luz saía do estojo de maquiagem e iluminava o semblante  macabro e fascinado daquele garoto. Balbuciando um pensamento disse para si mesmo 'um dia usarei tudo isso ! Abalarei Bangú ! Seu ar compenetrado foi quebrado pelo som que veio da cozinha 'Emanuel * ! vem comer minino' ! Mas a promessa estava feita, um pacto foi selado. O tempo passa e o menino virou homem em uma metamorfose tal qual a de Benjamin Button que nasceu com cara de véi e foi perdendo as pregas. Não apenas shampoo lhe satisfazia mais, precisava também de um creme para alisar cabelos. Do creme capilar 'alisa pentei' foi ao creme hidratante. Do hidratante foi à depilação peitoral. Pronto ! E como o homem do sertão diz quando vaticina a derrota alheia:  Acabou-se o homem ! Surge o metrossexual: este ser que não apenas usa tudo e mais um pouco o que sua mãe usava como também faz as unhas e desperdiça preciosas horas no cabelereiro. Aliás tocamos em um assunto que será abordado em um texto vindouro: o cabelereiro tomou o lugar do barbeiro, mas não nos desviemos do assunto...
    A humanidade achou o elo perdido entre o homem e o macaco. O metrossexual perdeu o elo, ou o aro e sobrepôs uma linha evolucionária sobre outra, ou como se diz no sertão,  acaraiou ** tudo. O que a lei da natureza aprimorou por milênios o metrossexual derrubou em menos de uma década. Se a década de oitenta ficou conhecida como a década perdida, a da ascensão metrossexual será conhecida como a década da rosca perdida. E é quando a humanidade se distancia de seus preceitos é que a História surge como tábua de salvação. É de lá que tiramos o consolo (sem referência ao consolo de borracha) ao refletirmos sobra as sábias palavras de Pranchú:

     "Homem que é homem tira o sebo do pau e come" 

    Assim falou Pranchú !

* o nome Emanuel é puramente ilustrativo. 
** acaraiou do verbo acaraiar. Do latim acaraialium utilizado pela primeira vez quando Nero decidiu tocar o foda-se em Roma e disse 'tô puto, vou acaraiar com essa cidade , porra'.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

DO COMPLEXO DE ÉDIPO COM A MÃE ALHEIA: LIÇÃO DO POLÍTICO



Alguns heróis místicos enfrentavam problemas profundos, por vezes insolúveis. Para os antigos gregos, as suas histórias trágicas demonstravam o quanto a estrutura humana é falível e todas as suas desgraças eram originadas pela sua condição de homens. Talvez um dos mais famosos heróis trágicos seja o tal do Édipo, em cuja história encontrou bem definido um dos mais tormentosos conflitos a que se chamou “Complexo de Édipo”.
            Pulando a parte escatológica e demasiada ficcionista da lenda, o tal do Édipo, nome que significa “pés-inchados”, foi um sujeitinho muito do cafajeste. Imaginem, fugiu da casa dos pais adotivos, matou o pai natural, decifrou o enigma da uma esfinge (monstro com cabeça de mulher e corpo de leão) e, por fim, traçou a mãe, uma rapariga chamada Jocasta. A Rede Globo até fez uma libertinagem televisiva a respeito desse fato grego.
            No final, todos descobriram o acontecido, Jocasta se enforcou e Édipo furou os seus próprios olhos, partindo para o exílio. Esse é, em suma, o Complexo de Édipo. Contar uma lenda grega, além de cultivar os espíritos mais ignorantes, talvez seja uma ilustração para as realidades vivenciais.
            Até o grande psicólogo Sigmund Freud viu nesta lenda o modelo de um conflito fundamental do homem. Negócio de baitola mesmo. Entretanto, muitas das situações vivenciadas hoje em dia são resultados de profunda ignorância, outras, em simultâneo com essa ignorância, são profundas carências afetivas e angustiantes frustrações sentimentais que levam os homens a se agarrarem a antigas lendas para mitigar situações psíquicas, por vezes bem confusas que os atormentam.
            É o caso, por exemplo, do político em vias de votação no Congresso Nacional. Em tempos de emendas, reformas e outras construções, o político se vê às voltas de uma profunda crise existencial, regada a mensalão, jetons, batons e outros tons. Esse angustiante complexo humano cria uma espécie de arquétipo com o sujeito público em fase de votação.
            Parece uma definição abstrata e de difícil compreensão, mas é fácil de ser encontrado no Congresso Nacional. Ora, eles aparecem na televisão, defendem a nação e posam como justiceiros representativos. Mas, em nenhum momento questionam os jetons e mensalões da vida, não têm empatia com a vontade geral da nação e aproveitam o tempo para articulações políticas, afinal, tão logo estarão aposentados. Os políticos, em geral, legislam o que não dói no seu bolso.
            Eis que surge o tal do Édipo na política, em que o político mata os pais adotivos (os eleitores), decifra o enigma da esfinge (vota em projetos de interesse particulares), mas não traça a mãe dele, a messalina chamada Jocasta, afinal, ele não é a besta mitológica d’outrora. Ele fode mesmo é a mãe dos outros.
            O político, então, se resigna ao Complexo de Édipo, mas não sofre por ter lascado a mãe alheia. Ou seja, lamento pelo que votei, mas não pelo que ganhei. Assim é a vida, uns sofrem pelo que tem e outros pelo que não tem. Há, ainda, os que sofrem pelo que têm, pelo que os outros também têm e pelo que os outros não vão ter mais. É o Complexo de Édipo com a mãe alheia.
            A infelicidade do político é indubitavelmente filha da ignorância mesclada com fracasso sentimental e carências profundas. Infelicidade de político é não poder revogar a Lei da Relatividade por intermédio de Lei Ordinária, pois o resto ele pode tudo. Essa conclusão remota as encíclicas pranchunianas referente à mistura da política com a química orgânica:
            “O grau máximo da política e da química orgânica é estruturado pela seguinte fórmula: 2 meteno e 1 bezeno!”

            Assim falou Pranchú!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DA VITÓRIA SOBRE SI MESMO


            A cara já estava esbaforida, os dentes estavam trincados, a pressão intracraniana parecia que iria estourar o cabeçote, as meias pareciam extensões das glândulas sudoríparas, as mãos suavam igual ao corno da descrição de Nelson Rodrigues e a posição era fecal, digo, fetal. Depois desse extenso apanágio da posição do indivíduo em plena arte defecante pós-moderna, nada do caboclo descer.
            Depois da frustrante tentativa de botar o moreno pra nadar na privada, o sujeito sai todo engomadinho da casinha privada. Olha meio desconfiado para um lado, para o outro, mas nada que o abale ante a frustração do momento de depurar no banheiro da empresa.
            Fatigado e contrariado pela merda renegada, o sujeito volta a trabalhar. Senta-se em sua mesa, coloca uma das mãos e o cotovelo do outro braço na escrivaninha, inclina-se obliquamente, dá uma ligeira levantada na perna esquerda e alivia a sua angústia enrustida.
            A onomatopeia é acompanhada por uma emanação volátil e gasosa do corpo, cujo cheiro é peculiar do saturado de anidrido carbônico. Como se não bastasse o ato vil de usurpar o ambiente de trabalho com essas emanações, o sujeito ainda pensou em voz alta:
            - O peito é o grito de liberdade da merda oprimida!
            Todos olham para ele e, espantado com o potente decibel do seu próprio pensamento, o sujeito arremata:
            - Desculpem, saiu sem querer!
            Não importava mais, afinal, querendo ou não querendo, a ventosidade já tinha sido ventilada igual às fétidas palavras. Em que pesem as caras de espanto, o sujeito estava um pouco tranquilizado, mas nem tanto, afinal havia um urubu beliscando a sua cueca que insistia em não sair.
            Tudo era questão de psicologia, pois o urubu já era domesticado. Era tão domesticado que só tendia em sair se fosse no recanto sossegado do seu lar. É verdade, por mais que aquele sujeito tentasse exorcizar o caboclo no banheiro da empresa, o urubu só sairia para voar se fosse dentro do seu próprio lar.
            O sujeito procurou médico, pai-de-santo, cu-randeiro e até veterinário, mas nada do caboclo sair. O sintoma da moléstia que o sujeito era acometido chamava-se “constipação”, nome arredio para designar a prisão-de-ventre dos tempos da escravatura, do ventre-livre e do chazinho de boldo.
            Várias explicações eram dadas pelos médicos sobre a tal constipação.
            - Olhe, meu filho, acho que você tem a síndrome da intensidade intestinal, ou seja, você tem um intestino maior do que o dos outros, por isso você não defeca todo dia. Já o pai de santo dizia:
            - Mê-za-fí, tu tem o intestino preguiçoso, por isso que não consegue fazer descer o caboclo!
            O cu-randeiro pregava:
            - O problema é de prega!
            Já o veterinário prescrevia:
            - Não faça força no momento de liberar o urubu, caso contrário ele se retrairá.
            Até mesmo o sogro opinava:
            - Isso é frescura do seu frezado!
            Com tantos prognósticos, só restava o consolo de que a posologia, em geral, era uma só: purgante de efeito brando em suaves doses, além de cereais e fibras. Caso ficasse mais de cinco dias sem botar o moreno para nadar, teria que tomar o purgante em dose cavalar, tendo uma resposta efetiva e imediata.
            O sujeito passou a andar com uma pilulazinha verde no bolso, cujo significado estava ligado à felicidade do sujeito perante o trono da empresa onde trabalhava. Era a pílula da escolha pela fuga da Matrix, dando, é claro, uma passadinha no banheiro da empresa antes.
            Com essas dificuldades que presenciamos diariamente, podemos inferir que todo cagão é feliz e não sabe. Esse não é um problema endêmico, mas um problema geral que o povo não comenta por causa da vergonha que geralmente cerca as histórias do oiti. Era como dizia o velho filósofo Pranchú, nos idos de 1969, em sua passagem pelo Carnaval de Cabedelo, na Paraíba:
            Pegar mulher feia e cagar todo mundo faz, mas ninguém gosta de comentar.
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Constipação S/A (Sozinho e Anônimo).

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DOS COMPASSIVOS



-                     A vida da gente é um aperto! O que você acha?
-                     Pois é, a gente vive nesse aperto miserável e a mamãe não economiza mesmo.
-                     É verdade! Veja o famigerado vício do cigarro, por exemplo. Ela bem que poderia parar de fumar e economizar para o leite. Cê sabe, o leite tá os olhos da cara!
-                     O pior é que não adianta espernear, bater, gritar ou fazer greve de fome. Ela só dá razão ao vício.
-                     Você lembra quando nós dois ficamos uma noite sem dormir e esperneávamos tanto que ela também não dormiu. Nossa Senhora, parecia um dia de glória: “o embate de gerações.”
-                     É,  mas no final quem ganhou o embate foi ela. E para relaxar, tome cigarro e fumaça para os nossos juízos.
-                     Acho que vou ter uma séria conversa com ela hoje a noite ou, pelo menos, farei com que ela reflita a respeito de tudo.
-                     Tem jeito não irmãozinho! Você lembra quando ela bebeu tanto  uísque que vomitou toda aquela feijoada do almoço? Eu nunca passei tão mal na minha vida ao ver aquela cena. O cheiro da mistura me dá náuseas até hoje. Sabe o que ela fez depois? Fumou um cigarrinho para se tranqüilizar!
-                     Uh, que nojo! Eu me lembro sim! Aquele cheiro perdurou muito tempo no ambiente.
-                     Sabe o que é pior? Eu hoje até que estou gostando do cheirinho da fumaça do cigarro! É o mesmo que cheirar aquele lençol velho desfiado,  em que colocamos as partes desfiadas no nariz e sentimos cócegas. Mantenho esse vício quando a mamãe pega aquele leçolzinho velho de guerra.
-                     Eu também acho! Estou gostando também do cheirinho do cigarro,  mas eu odeio as baforadas no rosto. É pior do que uma cuspida!
-                     Concordo! Baforada no rosto é o fim! E o pior é que, às vezes, não dá nem para correr.
-                     Eu também não entendo a forma com que a mamãe segura o cigarro. É uma delicadeza tão grande, uma sutileza magistral entre o fura-bolo e o cata-piolho, as pernas estrategicamente cruzadas e o ar de empáfia estampado no rosto. Eu nunca prestei atenção nas outras pessoas, mas será que elas também ficam com esse ar de soberba quando fumam?
-                     Não sei, também não prestei atenção! Mas, já que você falou sobre isso, acho que a mamãe tem mais delicadeza com o cigarro do que com o papai. Certa vez eu a ouvi dando um conselho para uma amiga que estava se  divorciando, ela dizia: “homem é como cigarro, quando não tiver mais nada o que dar e ficar só a piola, joga fora!” Eu não entendi direito o que ela quis dizer com isso, mas acho que não é uma coisa boa.
-                     Não sei se a mamãe é uma boa conselheira, só sei que ela guarda o cigarro como se fosse um relicário. É uma pena, nem fotos da nossa irmãzinha ela guarda direito.
-                     Irmãozinho,  você está vendo o que eu estou vendo?
-                     Baforada de novo, não!
-                     Corre irmãozinho, vai para algum lugar!
-                     Vou me esconder atrás do pulmão!
-                     Você tá doido? O pulmão está cheio de uma fuligem preta nojenta que fica grudando nas mãos.
-                     Então me abrigarei pelo fígado!
-                     Que fígado? Esqueceu que o uísque da semana passada comeu a metade do fígado! A mamãe ainda nem sabe disso. Fica quieto e se esconde em outro lugar.
-                     Tudo bem, exceto no intestino que é uma merda.
-                     Cala a boca e corre para atrás do pâncreas!
-                     Mas lá tem um caroço do tamanho de uma mexerica. Vou pra lá não!
-                     Fique perto das costelas e não se mexa!
-                     Mas as costelas estão tão debilitadas por causa do cigarro que eu acho que não cabe nem a minha perna.
-                     Você é um irmão gêmeo muito burro!
-                     E você que é inteligente de mais, onde vai se esconder?
-                     Não vou me esconder, estou adorando esse cheirinho de nicotina do Free! A minha cabeça fica muito doida!
-                     Então, já que você é o sabichão de nós dois, onde eu me escondo?
-                     Sei lá! Te vira! Vai tomar no cu!
-                     Lá, não! De novo!
            Essa parábola, que conota a saga dos compassivos, remonta um vetusto ensinamento pranchuniano relacionado ao filho renegado. Na ocasião, perguntaram a Pranchú qual seria o tempo verbal da seguinte frase: “Isso não poderia ter acontecido”. Pranchú, no auge de sua sapiência respondeu: “Preservativo imperfeito.”
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Os Irmãos Nicotina.



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

DA SOCIEDADE DOS SUICIDAS ANÔNIMOS



Na história mundial, inúmero são os casos de indivíduos que procuram voluntariamente a morte, como Adolf Hitler e Eva Braun, Getúlio Vargas, Santos Dumont, Kurt Cobain e tantos outros que se perderam nas brumas do próprio tempo. Segundo o sociólogo Émile Durkheim, os tipos mais característicos de suicídios foram classificados em egoísticos (desajustamento), na moderna sociedade, e os altruísticos, nas sociedades primitivas e tradicionais.
            O suicídio egoístico resulta-se da não integração do indivíduo à sociedade e do desajustamento, que é a ausência de padrões sociais que regulam o comportamento do indivíduo. O indivíduo altruísta, integrado na sociedade, utiliza a sua vida em obediência aos costumes sociais e o suicídio será uma obrigação, um ato relevante, como o dos brâmanes, gregos, japoneses hara-kiri e, atualmente, os monges budistas do Sudoeste Asiático.
            No Brasil também temos os nossos próprios suicidas anônimos que, em um ato desesperado, buscam a outra vida pelas próprias mãos. Trata-se de um suicídio altruístico e institucionalizado pela alcunha de matrimônio, o vetusto casamento. O casamento parece uma doença que, quando não mata, deixa aleijado. Teorias psicológicas, baseadas nas ideias do afrescalhado Freud, ligam as causas desse suicídio matrimonial ao estudo da autoacusação, ressentimento e frustração.
O suicídio começa na simples afirmação: “aceito!” Pronto, o suicídio se concretizou pelas próprias mãos que assinaram os proclamas e colocaram o anel-enforcamento. Nada mais de cerveja depois do trabalho, futebol com os amigos só depois de ir ao supermercado, shows só os que não fizerem barulho, cinema com filme sem ação e, para rimar, sinuca nunca.
O sujeito começa a observar os amigos com aquele ar de nostalgia: “Ah, os meus tempos de solteiro; Tempos que não voltam; Tempos em que a aurora da minha vida era Aurora (árdua trabalhadora de empreitada em uma conhecida casa de recursos humanos na Av. Índios Cariris, em Campina Grande, na Paraíba).” Em meio dessa instigante divagação filosófica ouve-se um grito esguio de dentro da cozinha:
“- Imprestável, não sabe nem comprar um litro de leite!”
            Enfim, mesmo diante de todas as adversidades que este ato vil traz para a sociedade, grande parte das pessoas se suicida dessa forma. Foi o que aconteceu há alguns anos com um colega de Aracajú, um sujeito que passou a residir na capital do país e cuja graça atende por Flávio Pboy.
Ele se enforcou com uma aliança de 24 quilates e 25 quemordem, fato que também ocasionou uma contenção de despesas resultantes dos embalos de sábado à noite no Plano Piloto. Bem, o hobby dele passou a ser o de colecionar e-mails de casamento para enviar aos amigos e, ao que parecia, ele fazia isso por meio de mala direta, em que os e-mails eram dispostos com seguintes dizeres: “o casamento é um sacramento imortal”, ou “o casamento é uma obra de divina!”, ou ainda, “o casamento é a introspecção da natureza humana!”.
            Foi nesse instante que refleti no que realmente consiste o suicídio, pois enquanto o suicida ficar somente no suicídio, tudo bem, afinal o problema é dele. Mas, a partir do momento em que o suicida instiga ou induz para que outros possam se suicidar também, aí o problema passa a ser de ordem pública, incidindo no que preceitua o art. 122 do Código Penal, que dispõe como crime o ato de induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
            O suicídio-altruístico-matrimonial, como obra divina, é o único que tem testemunha, e logo duas, no mínimo. É a própria morte assistida e comemorada, uma espécie de eutanásia da piroca. Como ser complacente com tamanho infortúnio pós-moderno? Ora, não sendo. Irresignado com essa barbárie recente do caro colega Pboy, por intermédio da mídia virtual, sinto-me na obrigação moral de afirmar:
            “-Se quiser casar, case! Mas nunca instigue alguém ao suicídio.”
            Que o seu suicídio altruístico não se transforme em egoístico, pois, como disse o sábio Pranchu na invasão de São José da Lagoa Tapada pelos Fenícios:
“- Casamento é bom, mas morrer queimado deve ser bem melhor!”
            Assim falou Pranchú![1]



[1]. Importa consignar que o autor também se suicidou!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A FÁBULA DA MENINA PORCELANA E DO PLAYMOBIL



Ela já era uma linda mulher quando eu ainda era pirralho e brincava de playmobil. Não me refiro a uma balzaquiana dos dias de hoje, mas uma gazela que era alguns poucos anos mais velha do que todos nós. Era aquela deusa grega estigmatizada e almejada por todos os pirralhos das várias gerações em seus sonhos e vícios solitários. Ela sempre existiu na vida de muitos marmanjos, aquela menina-mulher que deixou ébrio o mais inocente playmobil, lúdico brinquedo de infância. Aliás, foi de tanto brincar de playmobil e imaginar em braile essa diva que a turma da infância ficou conhecida como “A Turma do Playmobil”, em analogia à mãozinha do brinquedo que já era posicionada ao intento onanista. Logicamente, o apelido da turma continua até hoje, mas o sentido da mãozinha do brinquedo é também de tanto segurar um copo de bebida qualquer.
A menina-mulher, em comento, nunca prestava atenção ou dava ousadia aos pirralhos e muito menos pensava em se enroscar com um infante que quase era da sua idade. Na verdade, a menina porcelana dizia preferir homens na acepção adulta da palavra, excluindo-se, por conseguinte, toda pretensão dos infantes playmobil. Todos os adjetivos eram poucos para descrevê-la de modo fiel, só restando à memória corroída pelo juízo da adolescência lembrá-la de uma forma mais abrasiva. A menina porcelana era linda, cheirosa, elegante, poderosa e extremamente fogosa, ou seja, era o apetite dos sentidos adolescentes.
Com toda certeza, o homem que nunca teve uma deusa dessas como mito na infância pode ser considerado como um homem não vivido. Em consequência de toda essa admiração, quando pensavam em braile nesta menina-mulher, no recanto sossegado do banheiro, os marmanjos catavam tranquilamente:
“- Escute essa canção, que é pra tocar no rádio no rádio do seu coração...” (Moraes Moreira)
Logo em seguida a mãe enfurecida dizia:
“-Ô Menino, que demora é essa no banheiro? O que você está fazendo?”
Para apressar as idas e vindas do pensamento em braile, mudavam o repertório:
“- Pombo correio, voa ligeiro...” (Alceu Valença)
Em outras palavras, a menina-mulher era responsável pela inspiração das demoras no banheiro e pelas demais angústias sofridas da puberdade, principalmente na criação de espinhas e outros males. A tortura continuava e parecia inacabável, tendo-se em vista que a nossa diva saía com outros marmanjos mais velhos e nos jogava em um profundo estado letárgico que era um misto de amadurecimento e criancice. Aquela deusa parecia intocável, como uma estátua que só se cultua e não se cutuca, a não ser por um mancebo um pouco mais velho. Era um amor platônico em todas as suas dimensões.
A vontade de crescer logo era um desejo uníssono, então, como em uma fórmula mágica de desejo, olhamos para os lados e começamos a aumentar de tamanho, igualmente com todas as partes do corpo. Começamos a entender que tamanho também é documento, mesmo que seja documento de entrada e saída.
Aprendemos a lidar com a ansiedade e principalmente com as modificações do nosso corpo. Começamos a sair com outras garotas e vivenciar experiências inéditas, ora, sem embargos de retórica, aprendemos vivenciar o sexo naturalmente. Tudo normal na vida de um jovem e como diz o ditado popular: “depois que entra um boi, entra a boiada.”
Esse é um pensamento estranho quando nos referimos às mulheres que nos brindaram com suor e o amor na hora da entrega. Com todo esse exercício lascivo em prol da libertinagem adolescente, passamos a esquecer daquela menina porcelana que em outros tempos era o desejo de nossas realizações libidinosas, o sonho de consumo da imaginação infante. Nesse momento de liberdade do nosso amor platônico, perguntávamos: por onde anda aquela deusa? Será que ainda está linda?
Inevitavelmente o sujeito começa a fazer uma digressão para lembrar-se da última vez que viu a menina-mulher, sendo a última lembrança algo surpreendente. Algumas casam, engordam e ficam conhecidas como “cururu-de-tanga”. Outras ficam independentes demais e acabam encruadas, ficando para tia-avó. Há também aquelas que ficam até famosas e aí o sujeito lembra orgulhoso: “já amei muito essa mulher, mesmo que ela não saiba!”
Nessa incursão ao passado, lembrei-me da última vez que vi a minha menina porcelana. Ela estava desfilando em um conhecido concurso de moda, atraindo olhares muito mais promissores do que o meu. Logo me veio a lembrança da impossibilidade e a distância que me separar dela. Sonho impossível! Ela certamente já estaria alçando passos cada vez mais longínquos. Eu, um pirralho de outrora e o meu lúdico pensamento. Ora, lúdico é pensar que as nossas meninas porcelanas estão longe de nosso alcance.
Quem diria! Encontrei a dita cuja trabalhando em uma farmácia próxima ao local onde eu trabalho. Ela me reconheceu e contou todo o seu desiderato até aquele momento. Continuava muito exuberante, pelo menos à primeira vista, mas denunciava um ar cansado de quem muito dançou o “Samba do Crioulo Doido”. Cozinhar o juízo dela foi tão fácil quanto perder o juízo nos hediondos atos onanistas da juventude. O sonho daquele pirralho estava se realizando de uma maneira muito sossegada, como se fosse um retorno ao velho banheiro: “Escute essa canção, que pra tocar no rádio...” (Moraes Moreira).
Essa história realmente aconteceu com um amigo deste escriba, sujeito este que soube compreender que seu futuro foi muito mais feliz do que se tivesse realizado uma parte do passado. Naquele momento refleti as sábias palavras de sábio Vinícius de Moraes: “a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Ao mesmo tempo lembrei-me das igualmente sábias palavras do filósofo Pranchú, o ícone de São José da Lagoa Tapada:
“Ser lúdico na infância é destino, mas continuar lúdico na maturidade é burrice!”

Assim Falou Pranchú!