sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DOS COMPASSIVOS



-                     A vida da gente é um aperto! O que você acha?
-                     Pois é, a gente vive nesse aperto miserável e a mamãe não economiza mesmo.
-                     É verdade! Veja o famigerado vício do cigarro, por exemplo. Ela bem que poderia parar de fumar e economizar para o leite. Cê sabe, o leite tá os olhos da cara!
-                     O pior é que não adianta espernear, bater, gritar ou fazer greve de fome. Ela só dá razão ao vício.
-                     Você lembra quando nós dois ficamos uma noite sem dormir e esperneávamos tanto que ela também não dormiu. Nossa Senhora, parecia um dia de glória: “o embate de gerações.”
-                     É,  mas no final quem ganhou o embate foi ela. E para relaxar, tome cigarro e fumaça para os nossos juízos.
-                     Acho que vou ter uma séria conversa com ela hoje a noite ou, pelo menos, farei com que ela reflita a respeito de tudo.
-                     Tem jeito não irmãozinho! Você lembra quando ela bebeu tanto  uísque que vomitou toda aquela feijoada do almoço? Eu nunca passei tão mal na minha vida ao ver aquela cena. O cheiro da mistura me dá náuseas até hoje. Sabe o que ela fez depois? Fumou um cigarrinho para se tranqüilizar!
-                     Uh, que nojo! Eu me lembro sim! Aquele cheiro perdurou muito tempo no ambiente.
-                     Sabe o que é pior? Eu hoje até que estou gostando do cheirinho da fumaça do cigarro! É o mesmo que cheirar aquele lençol velho desfiado,  em que colocamos as partes desfiadas no nariz e sentimos cócegas. Mantenho esse vício quando a mamãe pega aquele leçolzinho velho de guerra.
-                     Eu também acho! Estou gostando também do cheirinho do cigarro,  mas eu odeio as baforadas no rosto. É pior do que uma cuspida!
-                     Concordo! Baforada no rosto é o fim! E o pior é que, às vezes, não dá nem para correr.
-                     Eu também não entendo a forma com que a mamãe segura o cigarro. É uma delicadeza tão grande, uma sutileza magistral entre o fura-bolo e o cata-piolho, as pernas estrategicamente cruzadas e o ar de empáfia estampado no rosto. Eu nunca prestei atenção nas outras pessoas, mas será que elas também ficam com esse ar de soberba quando fumam?
-                     Não sei, também não prestei atenção! Mas, já que você falou sobre isso, acho que a mamãe tem mais delicadeza com o cigarro do que com o papai. Certa vez eu a ouvi dando um conselho para uma amiga que estava se  divorciando, ela dizia: “homem é como cigarro, quando não tiver mais nada o que dar e ficar só a piola, joga fora!” Eu não entendi direito o que ela quis dizer com isso, mas acho que não é uma coisa boa.
-                     Não sei se a mamãe é uma boa conselheira, só sei que ela guarda o cigarro como se fosse um relicário. É uma pena, nem fotos da nossa irmãzinha ela guarda direito.
-                     Irmãozinho,  você está vendo o que eu estou vendo?
-                     Baforada de novo, não!
-                     Corre irmãozinho, vai para algum lugar!
-                     Vou me esconder atrás do pulmão!
-                     Você tá doido? O pulmão está cheio de uma fuligem preta nojenta que fica grudando nas mãos.
-                     Então me abrigarei pelo fígado!
-                     Que fígado? Esqueceu que o uísque da semana passada comeu a metade do fígado! A mamãe ainda nem sabe disso. Fica quieto e se esconde em outro lugar.
-                     Tudo bem, exceto no intestino que é uma merda.
-                     Cala a boca e corre para atrás do pâncreas!
-                     Mas lá tem um caroço do tamanho de uma mexerica. Vou pra lá não!
-                     Fique perto das costelas e não se mexa!
-                     Mas as costelas estão tão debilitadas por causa do cigarro que eu acho que não cabe nem a minha perna.
-                     Você é um irmão gêmeo muito burro!
-                     E você que é inteligente de mais, onde vai se esconder?
-                     Não vou me esconder, estou adorando esse cheirinho de nicotina do Free! A minha cabeça fica muito doida!
-                     Então, já que você é o sabichão de nós dois, onde eu me escondo?
-                     Sei lá! Te vira! Vai tomar no cu!
-                     Lá, não! De novo!
            Essa parábola, que conota a saga dos compassivos, remonta um vetusto ensinamento pranchuniano relacionado ao filho renegado. Na ocasião, perguntaram a Pranchú qual seria o tempo verbal da seguinte frase: “Isso não poderia ter acontecido”. Pranchú, no auge de sua sapiência respondeu: “Preservativo imperfeito.”
            Assim falou Pranchú! [1]



[1]. Texto originalmente intitulado Os Irmãos Nicotina.



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

DA SOCIEDADE DOS SUICIDAS ANÔNIMOS



Na história mundial, inúmero são os casos de indivíduos que procuram voluntariamente a morte, como Adolf Hitler e Eva Braun, Getúlio Vargas, Santos Dumont, Kurt Cobain e tantos outros que se perderam nas brumas do próprio tempo. Segundo o sociólogo Émile Durkheim, os tipos mais característicos de suicídios foram classificados em egoísticos (desajustamento), na moderna sociedade, e os altruísticos, nas sociedades primitivas e tradicionais.
            O suicídio egoístico resulta-se da não integração do indivíduo à sociedade e do desajustamento, que é a ausência de padrões sociais que regulam o comportamento do indivíduo. O indivíduo altruísta, integrado na sociedade, utiliza a sua vida em obediência aos costumes sociais e o suicídio será uma obrigação, um ato relevante, como o dos brâmanes, gregos, japoneses hara-kiri e, atualmente, os monges budistas do Sudoeste Asiático.
            No Brasil também temos os nossos próprios suicidas anônimos que, em um ato desesperado, buscam a outra vida pelas próprias mãos. Trata-se de um suicídio altruístico e institucionalizado pela alcunha de matrimônio, o vetusto casamento. O casamento parece uma doença que, quando não mata, deixa aleijado. Teorias psicológicas, baseadas nas ideias do afrescalhado Freud, ligam as causas desse suicídio matrimonial ao estudo da autoacusação, ressentimento e frustração.
O suicídio começa na simples afirmação: “aceito!” Pronto, o suicídio se concretizou pelas próprias mãos que assinaram os proclamas e colocaram o anel-enforcamento. Nada mais de cerveja depois do trabalho, futebol com os amigos só depois de ir ao supermercado, shows só os que não fizerem barulho, cinema com filme sem ação e, para rimar, sinuca nunca.
O sujeito começa a observar os amigos com aquele ar de nostalgia: “Ah, os meus tempos de solteiro; Tempos que não voltam; Tempos em que a aurora da minha vida era Aurora (árdua trabalhadora de empreitada em uma conhecida casa de recursos humanos na Av. Índios Cariris, em Campina Grande, na Paraíba).” Em meio dessa instigante divagação filosófica ouve-se um grito esguio de dentro da cozinha:
“- Imprestável, não sabe nem comprar um litro de leite!”
            Enfim, mesmo diante de todas as adversidades que este ato vil traz para a sociedade, grande parte das pessoas se suicida dessa forma. Foi o que aconteceu há alguns anos com um colega de Aracajú, um sujeito que passou a residir na capital do país e cuja graça atende por Flávio Pboy.
Ele se enforcou com uma aliança de 24 quilates e 25 quemordem, fato que também ocasionou uma contenção de despesas resultantes dos embalos de sábado à noite no Plano Piloto. Bem, o hobby dele passou a ser o de colecionar e-mails de casamento para enviar aos amigos e, ao que parecia, ele fazia isso por meio de mala direta, em que os e-mails eram dispostos com seguintes dizeres: “o casamento é um sacramento imortal”, ou “o casamento é uma obra de divina!”, ou ainda, “o casamento é a introspecção da natureza humana!”.
            Foi nesse instante que refleti no que realmente consiste o suicídio, pois enquanto o suicida ficar somente no suicídio, tudo bem, afinal o problema é dele. Mas, a partir do momento em que o suicida instiga ou induz para que outros possam se suicidar também, aí o problema passa a ser de ordem pública, incidindo no que preceitua o art. 122 do Código Penal, que dispõe como crime o ato de induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
            O suicídio-altruístico-matrimonial, como obra divina, é o único que tem testemunha, e logo duas, no mínimo. É a própria morte assistida e comemorada, uma espécie de eutanásia da piroca. Como ser complacente com tamanho infortúnio pós-moderno? Ora, não sendo. Irresignado com essa barbárie recente do caro colega Pboy, por intermédio da mídia virtual, sinto-me na obrigação moral de afirmar:
            “-Se quiser casar, case! Mas nunca instigue alguém ao suicídio.”
            Que o seu suicídio altruístico não se transforme em egoístico, pois, como disse o sábio Pranchu na invasão de São José da Lagoa Tapada pelos Fenícios:
“- Casamento é bom, mas morrer queimado deve ser bem melhor!”
            Assim falou Pranchú![1]



[1]. Importa consignar que o autor também se suicidou!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A FÁBULA DA MENINA PORCELANA E DO PLAYMOBIL



Ela já era uma linda mulher quando eu ainda era pirralho e brincava de playmobil. Não me refiro a uma balzaquiana dos dias de hoje, mas uma gazela que era alguns poucos anos mais velha do que todos nós. Era aquela deusa grega estigmatizada e almejada por todos os pirralhos das várias gerações em seus sonhos e vícios solitários. Ela sempre existiu na vida de muitos marmanjos, aquela menina-mulher que deixou ébrio o mais inocente playmobil, lúdico brinquedo de infância. Aliás, foi de tanto brincar de playmobil e imaginar em braile essa diva que a turma da infância ficou conhecida como “A Turma do Playmobil”, em analogia à mãozinha do brinquedo que já era posicionada ao intento onanista. Logicamente, o apelido da turma continua até hoje, mas o sentido da mãozinha do brinquedo é também de tanto segurar um copo de bebida qualquer.
A menina-mulher, em comento, nunca prestava atenção ou dava ousadia aos pirralhos e muito menos pensava em se enroscar com um infante que quase era da sua idade. Na verdade, a menina porcelana dizia preferir homens na acepção adulta da palavra, excluindo-se, por conseguinte, toda pretensão dos infantes playmobil. Todos os adjetivos eram poucos para descrevê-la de modo fiel, só restando à memória corroída pelo juízo da adolescência lembrá-la de uma forma mais abrasiva. A menina porcelana era linda, cheirosa, elegante, poderosa e extremamente fogosa, ou seja, era o apetite dos sentidos adolescentes.
Com toda certeza, o homem que nunca teve uma deusa dessas como mito na infância pode ser considerado como um homem não vivido. Em consequência de toda essa admiração, quando pensavam em braile nesta menina-mulher, no recanto sossegado do banheiro, os marmanjos catavam tranquilamente:
“- Escute essa canção, que é pra tocar no rádio no rádio do seu coração...” (Moraes Moreira)
Logo em seguida a mãe enfurecida dizia:
“-Ô Menino, que demora é essa no banheiro? O que você está fazendo?”
Para apressar as idas e vindas do pensamento em braile, mudavam o repertório:
“- Pombo correio, voa ligeiro...” (Alceu Valença)
Em outras palavras, a menina-mulher era responsável pela inspiração das demoras no banheiro e pelas demais angústias sofridas da puberdade, principalmente na criação de espinhas e outros males. A tortura continuava e parecia inacabável, tendo-se em vista que a nossa diva saía com outros marmanjos mais velhos e nos jogava em um profundo estado letárgico que era um misto de amadurecimento e criancice. Aquela deusa parecia intocável, como uma estátua que só se cultua e não se cutuca, a não ser por um mancebo um pouco mais velho. Era um amor platônico em todas as suas dimensões.
A vontade de crescer logo era um desejo uníssono, então, como em uma fórmula mágica de desejo, olhamos para os lados e começamos a aumentar de tamanho, igualmente com todas as partes do corpo. Começamos a entender que tamanho também é documento, mesmo que seja documento de entrada e saída.
Aprendemos a lidar com a ansiedade e principalmente com as modificações do nosso corpo. Começamos a sair com outras garotas e vivenciar experiências inéditas, ora, sem embargos de retórica, aprendemos vivenciar o sexo naturalmente. Tudo normal na vida de um jovem e como diz o ditado popular: “depois que entra um boi, entra a boiada.”
Esse é um pensamento estranho quando nos referimos às mulheres que nos brindaram com suor e o amor na hora da entrega. Com todo esse exercício lascivo em prol da libertinagem adolescente, passamos a esquecer daquela menina porcelana que em outros tempos era o desejo de nossas realizações libidinosas, o sonho de consumo da imaginação infante. Nesse momento de liberdade do nosso amor platônico, perguntávamos: por onde anda aquela deusa? Será que ainda está linda?
Inevitavelmente o sujeito começa a fazer uma digressão para lembrar-se da última vez que viu a menina-mulher, sendo a última lembrança algo surpreendente. Algumas casam, engordam e ficam conhecidas como “cururu-de-tanga”. Outras ficam independentes demais e acabam encruadas, ficando para tia-avó. Há também aquelas que ficam até famosas e aí o sujeito lembra orgulhoso: “já amei muito essa mulher, mesmo que ela não saiba!”
Nessa incursão ao passado, lembrei-me da última vez que vi a minha menina porcelana. Ela estava desfilando em um conhecido concurso de moda, atraindo olhares muito mais promissores do que o meu. Logo me veio a lembrança da impossibilidade e a distância que me separar dela. Sonho impossível! Ela certamente já estaria alçando passos cada vez mais longínquos. Eu, um pirralho de outrora e o meu lúdico pensamento. Ora, lúdico é pensar que as nossas meninas porcelanas estão longe de nosso alcance.
Quem diria! Encontrei a dita cuja trabalhando em uma farmácia próxima ao local onde eu trabalho. Ela me reconheceu e contou todo o seu desiderato até aquele momento. Continuava muito exuberante, pelo menos à primeira vista, mas denunciava um ar cansado de quem muito dançou o “Samba do Crioulo Doido”. Cozinhar o juízo dela foi tão fácil quanto perder o juízo nos hediondos atos onanistas da juventude. O sonho daquele pirralho estava se realizando de uma maneira muito sossegada, como se fosse um retorno ao velho banheiro: “Escute essa canção, que pra tocar no rádio...” (Moraes Moreira).
Essa história realmente aconteceu com um amigo deste escriba, sujeito este que soube compreender que seu futuro foi muito mais feliz do que se tivesse realizado uma parte do passado. Naquele momento refleti as sábias palavras de sábio Vinícius de Moraes: “a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Ao mesmo tempo lembrei-me das igualmente sábias palavras do filósofo Pranchú, o ícone de São José da Lagoa Tapada:
“Ser lúdico na infância é destino, mas continuar lúdico na maturidade é burrice!”

Assim Falou Pranchú!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

GUIA UMA RODA: CONHEÇA O MUNDO PELO FUNDO



            Em analogia à conhecida revista Guia 4 Rodas, surgiu a ideia deste pequeno opúsculo, que visa estabelecer um parâmetro higiênico, cultural e social dos mais recônditos locais do Brasil em face do que convencionamos a chamar de Banheiro, Mictório, WC, etc. Em outras palavras, trata-se de um guia de rodagem e conhecimento do Brasil através dos banheiros. Entenda-se o termo "rodagem" na acepção mais prosaica da palavra, ou seja, o velho ato, costume, vício e/ou mania de cagar, mijar, escarrar e/ou descascar a macaxeira propriamente dita.
            Parafraseando o Código dos Biriteiros, a base epistemológica deste guia é "A Teoria" de Ariano Suassuna: "qualquer motivo serve para cagar ou mijar". Para conhecer o Mundo Através do Fundo faz-se necessária muita coragem e ousadia, pois onde há aquele cheiro fedorento de ovo podre, há fungos e bactérias. Nesse ínterim, mijar, cagar ou descascar em um ambiente como esse passa a ser uma tarefa que necessita de muito sangue-frio, pois é a mesma coisa de oferecer o bilau ou o boga em sacrifício. Há, porém, uma restrição a temática, em virtude do amplo campo de incidência da pesquisa, mas partiremos pelo princípio da roda. O princípio da roda surge da premissa “A Bunda e a Bondade em Nome da Humanidade”, em que o cidadão pesquisador botará, literalmente, o seu rabo na reta em prol da humanidade.
            Urge estabelecer, portanto, uma classificação de categorias de banheiros ou mictórios de forma que não vingue, de maneira enviesada, a profecia aguinaldiana do “é de bolo”. Arquitetonicamente os banheiros não diferem muito uns dos outros, eis que sua finalidade básica é sempre a mesma: cagar, mijar e/ou descascar. Em termos de paisagismo já diferem um pouco, podendo apresentar diferenças no que tange às louças (para mijadas individuais ou coletivas), às caixas de descargas com a cordinha que nunca funciona, ao bocal sem lâmpada, ao ralo coletivo, ao papel higiênico (quando tem) esfola brega, ao espelho rachado, às portas da privada tem sempre a frase “quem comeu fulaninha marque um X”, enfim, as mais diversas animosidades possíveis.
            Há também banheiros ou mictórios que oferecem uma atração a mais, permitindo na mijada in loco uma certa alternativa de lazer. Alguns mictórios possuem bolinhas de naftalina no receptáculo urinário, onde o mijante se sente fortemente atraído em treinar a pontaria nas naftalinas, ficando até orgulhoso quando consegue inverter a posição das bolinhas num jato só. Há outros mictórios que são decorados com aquelas metades de limão que sobraram das caipirinhas, com o pequeno inconveniente de atrair aqueles mosquitinhos de privada que ficam revoando a cara do cidadão mijante.
            Nesse sentido, diante da vasta gama de ambientes urinários, há um parâmetro para classificação do Guia Uma Roda, que surge da convicção de cada um pesquisador em potencial, dividindo-se nas seguintes classes de banheiros (fundamentadas nas disposições da Lei N.° 51, de 12 de fevereiro de 2000, o Código dos Biriteiros):
            A – Os Uma Roda (Classificação Máxima):
            B – Os Uma Rodinha (Qualidade Média):
            C – Os Utilizáveis (Qualidade Identificável):
            D – Os Imundos (Qualidade Suspeita);
            E – Os Antagônicos (Sem Qualidade Alguma, também conhecido como Banheiro Puta Que Pariu – BPQP, bem como outros adjetivos não menos elucidativos).
            É impossível um ser humano não ter adentrado em recintos como esses, nem o mais pio e devotado seguidor da cátedra do francês afrescalhado “toilette”. Se a vida é adjetivosa eu não sei! Só sei que o mundo pode ser conhecido através do ofício bogal. É na estupenda arte de exorcizar um caboclo, no momento de homenagear uma gazela ou no singelo ato de mijar que descobrimos o quanto conhecemos o mundo.
            É justamente imbuído desse sentimento que lembramo-nos das vetustas palavras de Pranchú, quando da descoberta que a merda nos faz melhores justamente porque descobrimos o verdadeiro sentido da prudência:
“Antes de falar, ouça. Antes de agir, pense. Antes de desistir, tente. Antes de cagar, veja se tem papel!”

            Assim Falou Pranchú!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O FAST-FOOD DO SERTÃO



         Menino de feições lânguidas, subtraídas da rigidez do sertão nordestino, mais especificamente do sertão pernambucano (Caruaru – PE), que denotava forte apego às suas raízes e demais culturas da região. Sujeito simples, de sobrancelhas com ares de humildade, mas que na realidade não passava de pura modéstia, a exemplo de sua inteligência e capacidade escamoteada por meio de atos simplórios e singelos.
         Papalvo e sem malícia, o sujeito em tela restringia-se a fazer divagações inteligíveis e profundas acerca de coisas simples da vida. Mais especificamente, o nosso protagonista gostava de filosofar sobre o pão nosso de cada dia, não na acepção da labuta, mas no sentido gastronômico mesmo. Em suma, o homem só falava em comida.
         O Programa Governamental denominado Fome Zero, inclusive, teve a inspiração perpetrada pelas ações e divagações do nosso herói. Sem dúvidas, não há como negar que o meio onde vivia influenciou o nosso guerreiro sertanejo a pensar com o bucho. Todos os fatos o remetiam a uma analogia gastronômica, por exemplo: pensar com o bucho, como foi dito acima, para ele significava pensar depois de ter comido uma buchada. E por aí vai.
         Na verdade ele não se importava com o que iria comer, mas se iria comer. Ao contrário do que os legentes possam pensar, ele não era um retirante da seca, muito menos um necessitado qualquer ou um mendicante enviesado, mas um sujeito que tinha estudo universitário e uma posição social privilegiada.
         Falar de comida para ele, mais do que um hobby, era um fetiche mesmo. Na hora do sexo, por exemplo, o nosso herói comia pensando em comida. Na hora do alarido sexual, no ápice do prazer, o guerreiro gemia em voz alta: “cuscuz”, “cozido”, “buchada”, “carne-de-sol” e mais um tanto de outras iguarias. Até mesmo no início de sua carreira sexual, o nosso herói teve o seu intróito relacionado com a gastronomia. Basta dizer que ele comeu um bode e depois comeu o bode, fazendo o que poderíamos chamar de “ménage à trois” caprinos-gastronômico.
O nosso Gourmet sertanejo, no entanto, foi acometido por uma vicissitude do destino, qual seja, foi designado para laborar em metrópole muito distante de sua provinciana cidade. Ele foi designado para trabalhar na Capital Federal. Triste com o seu desiderato, o protagonista que ora se cuida resolveu exasperar ainda mais o seu lado filosófico-gastronômico, tornando-se ainda mais aficionado por “cu-linária”.
         Chegou à cidade grande feito matuto e ficava olhando obliquamente para cima e para baixo, coçava o queixo e fazia careta. Olhava para toda aquela poluição visual e relacionava tudo com um bom prato de comida. Como um bom retirante pós-moderno, era muito fácil deduzir que ele saiu do sertão, mas o sertão não saiu de dentro dele.
         Começou a trabalhar muito, chegando até mesmo a esquecer a sua tara quase que sexual por desígnios alimentícios. Mas o pior é que ele foi apresentado às guloseimas mais modernas, tais como as titicas do McDonald’s, Bob’s, Rabbib’s, Aídentro’s e demais iguarias ruminantes.
         Dentro de pouco tempo o nosso Gourmet passou a ter surtos psicóticos agudos que se manifestavam corriqueiramente. O negócio estava tão feio que ele foi obrigado a buscar ajuda profissional, encontrando na figura do Dr. Stênio Amâncio Bode o acalento para suas agruras.
         O Dr. Bode, profissional interdisciplinar, aplicava toda a sua vetusta psicologia no sentido de gabaritar melhor o fanfarrão do sertão. Insistiu tanto com a psicologia que incutiu na cabeça do nosso herói a seguinte frase: “dizes o que comes que direis o quadrúpede que és!”
         O nosso protagonista parecia se acalmar diante das anestesiantes frases do Dr. Bode. Parecia que estava se curando, quando repentinamente teve uma recaída por causa do próprio Dr. Bode. Não era prosaica aquela recaída, pois a figura do Dr. Bode passou a representar as lembranças de tenra infância do fanfarrão do sertão, ainda mais quando lembrava das comilanças d’outrora, no sentido gastronômico e sexual da palavra.
         Hoje em dia o nosso guerreiro, autointitulado como Fast-food do sertão, passou a ser um cabra mais evoluído e sempre impregnado do espírito culinário. Como não tem cura para a sua endemia pessoal, o único prognóstico do nosso herói é transformar a sua tara em panacéia de alegria. E é isso que o sicofanta sempre fez!
         As histórias do Fast-food Sertanejo me lembram as encíclicas pranchunianas entabuladas em épocas de bulimia, termo neológico onde o oco da barriga esbarra no deveras da fome, muito utilizado por modelos e afins em suas andanças pelo mundo.
Dizem que quem tem boca vai a Roma. Meu fogão tem quatro e nunca saiu da cozinha!

         Assim falou Pranchú!

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

DAS ANTIGAS E NOVAS TÁBUAS



- Essa é a sua baia!
            Talvez seja o entendimento moderno do novo âmbito de trabalho implantado sob os auspícios da dupla “eficiência-produção”, significado da nova era de trabalho, etc. Coisas de Eric Robsbawn e sua evolução trabalhista (Livro: A Era dos Extremos).
A baia que me foi apresentada nada mais era do que o meu local de trabalho, onde se localizava um computador, cercado por uma estrutura mista de fibra-madeira-vidro, com altura máxima de um metro e sessenta, posta de forma uniforme, uma ao lado da outra e aberta aos olhares dos transeuntes da empresa. Trata-se de uma nova filosofia urbana aplicada ao trabalho.
Em que pese o nobilíssimo sentimento de evolução, no momento da apresentação à baia fui tomado por um sentimento de involução. No fundo, me senti um verdadeiro jumento, na acepção mais ruminante da palavra, afinal, quem vive em baia é jumento. Pensei em refutar o epíteto do meu novo posto de trabalho, mas, como bom jumento, decidi abaixar as orelhas.
            No mesmo instante me veio à mente a razão de ser da intrigante baia. Ora, nada mais claro: um tapume moderno, em forma de boxe e que abriga um trabalhador mais eficiente. Não há como parar o trabalho, nem mesmo para acessar um site que não diga respeito à empresa, escrever um texto a esmo, dar uma lida em um jornal, verificar a contabilidade própria ou exercitar o espírito através de outra atividade. A eficiência da baia é fenomenal, coincidindo também com a eficiência da empresa.
            Nada mais justo, portanto, o fato da existência da baia. Mas o sentido em que se emprega o termo remete à conclusão da existência do jerico de carga moderno. Não é prosaica essa conclusão, uma vez que estamos trabalhando ao senhorio da empresa e em virtude da sua eficiência, só faltam os arreios, os alforjes e os estribos.
            Resolvi não aderir ao cognome moderno do meu lugar de trabalho, renomeando-o de “gabinete”, nobre designação d’outrora. Não obstante, quando fui atender o meu primeiro cliente, chamei-o para vir ao meu “gabinete” e, quando ele chegou na minha baia, sorriu e refutou com um sorriso sarcástico:
            - Sua baia! Né?
            Novamente o jumento patenteou-se do meu imaginário e pensou em emergir de forma bruta, mas atenuou o seu ímpeto diante do fato de que aquele convidado, em última instância, pagaria a alfafa do jerico, ou seja, o cliente tem sempre razão.
            - Digamos que essa seja a minha baia!
            Essa não seria definitivamente razão para a minha primeira espinafrada em âmbito profissional.
            Não contente com o episódio, resolvi cognominar o meu local de trabalho novamente, chamando-o agora de “saleta”. Outro cliente, porém, me fez a seguinte observação.
            - Eu pensava que “saleta” era uma sala pequena, mas não uma baia!
            A resposta estava pronta: “Quem fica em baia é jumento! E jumento que é jumento traz os outros para conhecer a sua taba!”
            Embora com a resposta na ponta da língua, realmente não valia a pena argumentar o contrário, afinal, quem ocupava a baia não era o cliente, era aquele jumento que pensava em contra argumentar.
            Novamente, percebi que o cognome do meu local de trabalho não poderia ser aquele, oportunidade em que o apelidei de novo, mas sempre aconteciam incidentes que me remetiam ao local de vivência asno, facilmente domesticável.
Resolvi, então, abstrair, me entregar ao sistema e aceitar a baia como o meu habitat natural. Para assegurar o meu consolo, comecei a observar que, quanto mais eu me incomodava com o nome do meu lugar de trabalho, mais eu me sentia um jumento. Portanto, que sejam aclamados os estábulos hodiernos e que possamos ruminar as novas tendências como bons asnos, afinal, bons asnos são muito difundidos no mundo e utilizados desde tempos imemoriais como animal de tração e carga, razão pela qual sempre terão a labuta garantida.
Esse pensamento, inclusive, me fez lembrar um prodigioso versículo adjetivado pelo profeta Pranchú, quando ensinava a arte de se manter incólume na ocasião da invasão de São José da Lagoa Tapada pelos fenícios:
“Malandro mesmo é o pardal, que canta mal só para não ficar na gaiola!”
Assim falou Pranchú.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

DO ESPIRITUOSO E DO PESADUME



            “Seria inverídica não fosse venérea!” Essa frase foi o alicerce de uma espirituosa tese jurídica, lastreada pelos pergaminhos pranchunianos, originária da sapiência e malandragem de um advogado lá da Paraíba, o Dr. Dalônio, amigo deste escriba e autor venéreo da citada. Sujeito com a presença de espírito mais rápida do velho oeste e nordeste, o Dr. Dalônio foi contratado para tirar uma conhecida empresa de Campina Grande de uma enrascada tão risível quanto onerosa, que poderia, inclusive, ter uma repercussão bastante negativa para a cidade.
            Há alguns anos, uma conhecida e prestigiada atriz global foi contratada para fazer um comercial para a TV Paraíba, afiliada da TV Globo em Campina Grande, interior paraibano. Antes, porém, de chegar à Serra da Borborema, a atriz decidiu fazer um breve turismo contemplativo em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Saiu da Praia de Pipa, passou por Ponta Negra, onde alisou o Morro do Careca, chegou em Pirangi, onde catou caju, e acabou-se em Genipabu, onde a rima é proibida! Em todo canto, acompanhada de seu namorado, registrou tudo em memoráveis fotografias, cuja lembrança talvez se estendesse mais do que se suporia.
            Ao chegar a Campina Grande, a moça decidiu revelar as fotos tiradas em terras potiguares, oportunidade em que se dirigiu à melhor empresa da cidade para tal intento. O dono da empresa, ao reconhecer de plano a atriz, lembrando-a da última novela das seis, decidiu guardar algumas fotos da moça. Dizia ele ser fã da atriz, mesmo que isso representasse ao menos sessenta anos de embate de gerações, considerando ser ele um dos inventores do lambe-lambe e ela uma atriz oriunda de Malhação.
            Pois bem, dois anos após a visita da atriz, o senhor lambe-lambe decidiu dar uma turbinada nos negócios, oportunidade em que utilizou as fotografias guardadas da atriz em uma peça publicitária na mesma TV Paraíba. Na propaganda, divulgada para toda a região de Campina Grande e alhures, a moça aparecia em uma foto retirada na praia de Genipabu, em cima de um jegue, e com uma linda paisagem ao fundo. Sonorizando a imagem, o locutor mandava o seguinte slogan: “Revele aqui e seja artista da sua vida!” E que artista esse lambe-lambe era!
            Depois de dois meses no ar, a propaganda foi obrigada a deixar de ser veiculada por determinação judicial e o senhor lambe-lambe instado judicialmente por meio de uma ação de danos morais e materiais ajuizada pela atriz. Como se diz na Paraíba, a pemba era gigante e calculada por meio de pesadas custas judiciais. Até aí, nada mais do que um causo judicial que não passaria dos corredores do Fórum Afonso Campos, em Campina Grande, competente para o feito, mas não era apenas isso!
            Desesperado ao receber a citação, carregada de zeros no cifrão, o ilustre empresário buscou contratar os melhores advogados da cidade. Em todos os contatos feitos, o prognóstico judicial era mesmo: fumus! Jargão latinístico que significava não só a perda provável do processo como uma jeba gigantesca nos cofres do senhor lambe-lambe. Como já sabia que a peixeira iria entrar no bucho dele até arriar todos os seus tostões, o espertalhão resolveu não gastar dinheiro com advogados caros e decidiu contratar um advogado menos dispendioso, o que não significa menos astuto. Foi nesse cenário que o Dr. Dalônio apareceu e foi contratado.
             Recebida a contestação, malgrada a proposta de acordo, o d. juízo cível da Comarca de Campina Grande agendou a audiência de instrução e julgamento, onde as partes finalmente se encontraram. A audiência, claro, foi cercada de muitos holofotes e todos os bons temperos de uma novela das nove. Iniciada a audiência, a atriz foi instada sobre a possiblidade de acordo, mas ela se mostrou bastante reticente com tal proposta porquanto tenha ficado ainda mais chateada com os termos apresentados pela defesa na ocasião de sua contestação.
            Naquele instante, o então réu, outrora nobilíssimo empresário campinense, olhou fulminantemente para o Dr. Dalônio, puxando-o pelo paletó e dizendo em voz baixa:
            - Que porra você colocou naquela merda de contestação?
            O Dr. Dalônio, aproveitando a deixa, pede a palavra ao douto juiz e explica:
            - Senhora atriz, não quero deixá-la desapontada, mas há um grande equívoco na sua ação. Ao contrário do que a senhora imagine, a foto divulgada pela empresa não quis utilizar a sua imagem, mas quis exaltar a imagem daquele que representa o grande motivo de orgulho e admiração do nordestino: o jegue. O jegue é objeto de verso, prosa e já foi cantado em diversas ocasiões, inclusive por filhos ilustres da região, como Genival Lacerda. O jegue carregou até mesmo Jesus Cristo! Lamento muito se a senhora saiu na foto, mas tenha certeza que a homenagem era para um filho da região.
            A intervenção do Dr. Dalônio foi exprimida com muito ressentimento e com gestos singelos, sendo uma interpretação muito mais convincente do que aquela que a própria atriz tentava fazer naquele instante. Aliás, todos os gestos da atriz eram tidos como mera interpretação. Os paparazzi paraibanos escutavam tudo nos corredores do fórum e replicavam diretamente na Rádio Campina FM (93,1), Panorâmica FM (97,3), Correio FM (98), Caturité AM (1050) e todas as demais rádios do sertão.
            Após a manifestação do Dr. Dalônio, o alarido tomou conta da sala de audiência. Era um misto entre a surpresa, a hesitação e a excitação, a favor ou contra a tese. Em todo caso, a gargalhada não conseguiu ficar de fora. O juiz não conseguia deixar de mostrar os dentes no canto da boca. O advogado da atriz não sorria, mas lacrimejava no afã de segurar a gargalhada. O escrivão e os demais presentes não se contiveram, até que a atriz pedisse a palavra para se manifestar novamente.
            - É doutor, devo ser uma jumenta mesmo, pois jamais deveria ter revelado as minhas fotos nesse fim de mundo!
            Pronto, a atriz cometeu o pecado mortal, qual seja, colocou todos daquele recinto contra ela, afinal todos eram residentes e domiciliados naquele fim de mundo, inclusive o próprio juiz. Daí pra frente, embora o direito da atriz fosse plausível, o ânimo em favor dela fenecia, assim como feneceu Odete Roitman, Nazaré, Perpétua, Laurinha Figueroa e tantas outras vilãs das novelas da Globo. De uma hora para a outra, não é que a tese do jegue começou a ser benquista!
            Pois bem, horas após o início da instrução, com o levante de uma verdadeira ode ao jegue e o direito de imagem da atriz indo para o saco, o senhor lambe-lambe, mormente réu no processo, olha para a atriz e propõe:
            - Te pago dez por cento do que você pediu para encerrarmos o processo, aceita?
             Com um pesadume sem tamanho, porém sem alternativa para o momento, a atriz aceitou a proposta. Acordo batido, assinado e sacramentado! A moça saiu e não desejou seque boa-tarde aos presentes. O senhor lambe-lambe ficou satisfeito com o acordo, pois saiu muito mais barato do que os honorários de qualquer advogado renomado da cidade.
            Entre mortos e feridos, o jegue se saiu verdadeiramente vencedor daquele embate judicial. O Dr. Dalônio, mesmo sem ganhar aquilo que realmente merecia, foi ovacionado pelos confrades e alçado como o verdadeiro pai do jegue, sem que isso o diminua profissionalmente. Ao ser questionado sobre a sua linha de defesa, o Dr. Dalônio sustentou a tese do jegue, com um sorriso pilantra e uma célebre encíclica pranchuniana:
            “- Seria inverídica não fosse venérea!”
           
            Assim falou Pranchú!