- Essa é a
sua baia!
Talvez
seja o entendimento moderno do novo âmbito de trabalho implantado sob os
auspícios da dupla “eficiência-produção”, significado da nova era de trabalho,
etc. Coisas de Eric Robsbawn e sua evolução trabalhista (Livro: A Era dos
Extremos).
A baia que
me foi apresentada nada mais era do que o meu local de trabalho, onde se
localizava um computador, cercado por uma estrutura mista de
fibra-madeira-vidro, com altura máxima de um metro e sessenta, posta de forma
uniforme, uma ao lado da outra e aberta aos olhares dos transeuntes da empresa.
Trata-se de uma nova filosofia urbana aplicada ao trabalho.
Em que pese o
nobilíssimo sentimento de evolução, no momento da apresentação à baia fui tomado
por um sentimento de involução. No fundo, me senti um verdadeiro jumento, na
acepção mais ruminante da palavra, afinal, quem vive em baia é jumento. Pensei
em refutar o epíteto do meu novo posto de trabalho, mas, como bom jumento,
decidi abaixar as orelhas.
No
mesmo instante me veio à mente a razão de ser da intrigante baia. Ora,
nada mais claro: um tapume moderno, em forma de boxe e que abriga um
trabalhador mais eficiente. Não há como parar o trabalho, nem mesmo para
acessar um site que não diga respeito à empresa, escrever um texto a esmo, dar
uma lida em um jornal, verificar a contabilidade própria ou exercitar o
espírito através de outra atividade. A eficiência da baia é fenomenal,
coincidindo também com a eficiência da empresa.
Nada
mais justo, portanto, o fato da existência da baia. Mas o sentido em que se
emprega o termo remete à conclusão da existência do jerico de carga moderno.
Não é prosaica essa conclusão, uma vez que estamos trabalhando ao senhorio da
empresa e em virtude da sua eficiência, só faltam os arreios, os alforjes e os
estribos.
Resolvi
não aderir ao cognome moderno do meu lugar de trabalho, renomeando-o de
“gabinete”, nobre designação d’outrora. Não obstante, quando fui atender o meu
primeiro cliente, chamei-o para vir ao meu “gabinete” e, quando ele chegou na
minha baia, sorriu e refutou com um sorriso sarcástico:
- Sua baia! Né?
Novamente
o jumento patenteou-se do meu imaginário e pensou em emergir de forma bruta,
mas atenuou o seu ímpeto diante do fato de que aquele convidado, em última
instância, pagaria a alfafa do jerico, ou seja, o cliente tem sempre razão.
- Digamos que essa seja a minha baia!
Essa
não seria definitivamente razão para a minha primeira espinafrada em âmbito
profissional.
Não
contente com o episódio, resolvi cognominar o meu local de trabalho novamente,
chamando-o agora de “saleta”. Outro cliente, porém, me fez a seguinte
observação.
- Eu pensava que “saleta” era uma sala pequena, mas não
uma baia!
A
resposta estava pronta: “Quem fica em baia é jumento! E jumento que é
jumento traz os outros para conhecer a sua taba!”
Embora
com a resposta na ponta da língua, realmente não valia a pena argumentar o
contrário, afinal, quem ocupava a baia não era o cliente, era aquele jumento
que pensava em contra argumentar.
Novamente,
percebi que o cognome do meu local de trabalho não poderia ser aquele,
oportunidade em que o apelidei de novo, mas sempre aconteciam incidentes que me
remetiam ao local de vivência asno, facilmente domesticável.
Resolvi,
então, abstrair, me entregar ao sistema e aceitar a baia como o meu habitat
natural. Para assegurar o meu consolo, comecei a observar que, quanto mais eu
me incomodava com o nome do meu lugar de trabalho, mais eu me sentia um
jumento. Portanto, que sejam aclamados os estábulos hodiernos e que possamos
ruminar as novas tendências como bons asnos, afinal, bons asnos são muito
difundidos no mundo e utilizados desde tempos imemoriais como animal de tração
e carga, razão pela qual sempre terão a labuta garantida.
Esse
pensamento, inclusive, me fez lembrar um prodigioso versículo adjetivado pelo profeta
Pranchú, quando ensinava a arte de se manter incólume na ocasião da invasão de
São José da Lagoa Tapada pelos fenícios:
“Malandro mesmo é o pardal, que canta mal só
para não ficar na gaiola!”
Assim falou
Pranchú.
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