quarta-feira, 15 de agosto de 2012

DAS ANTIGAS E NOVAS TÁBUAS



- Essa é a sua baia!
            Talvez seja o entendimento moderno do novo âmbito de trabalho implantado sob os auspícios da dupla “eficiência-produção”, significado da nova era de trabalho, etc. Coisas de Eric Robsbawn e sua evolução trabalhista (Livro: A Era dos Extremos).
A baia que me foi apresentada nada mais era do que o meu local de trabalho, onde se localizava um computador, cercado por uma estrutura mista de fibra-madeira-vidro, com altura máxima de um metro e sessenta, posta de forma uniforme, uma ao lado da outra e aberta aos olhares dos transeuntes da empresa. Trata-se de uma nova filosofia urbana aplicada ao trabalho.
Em que pese o nobilíssimo sentimento de evolução, no momento da apresentação à baia fui tomado por um sentimento de involução. No fundo, me senti um verdadeiro jumento, na acepção mais ruminante da palavra, afinal, quem vive em baia é jumento. Pensei em refutar o epíteto do meu novo posto de trabalho, mas, como bom jumento, decidi abaixar as orelhas.
            No mesmo instante me veio à mente a razão de ser da intrigante baia. Ora, nada mais claro: um tapume moderno, em forma de boxe e que abriga um trabalhador mais eficiente. Não há como parar o trabalho, nem mesmo para acessar um site que não diga respeito à empresa, escrever um texto a esmo, dar uma lida em um jornal, verificar a contabilidade própria ou exercitar o espírito através de outra atividade. A eficiência da baia é fenomenal, coincidindo também com a eficiência da empresa.
            Nada mais justo, portanto, o fato da existência da baia. Mas o sentido em que se emprega o termo remete à conclusão da existência do jerico de carga moderno. Não é prosaica essa conclusão, uma vez que estamos trabalhando ao senhorio da empresa e em virtude da sua eficiência, só faltam os arreios, os alforjes e os estribos.
            Resolvi não aderir ao cognome moderno do meu lugar de trabalho, renomeando-o de “gabinete”, nobre designação d’outrora. Não obstante, quando fui atender o meu primeiro cliente, chamei-o para vir ao meu “gabinete” e, quando ele chegou na minha baia, sorriu e refutou com um sorriso sarcástico:
            - Sua baia! Né?
            Novamente o jumento patenteou-se do meu imaginário e pensou em emergir de forma bruta, mas atenuou o seu ímpeto diante do fato de que aquele convidado, em última instância, pagaria a alfafa do jerico, ou seja, o cliente tem sempre razão.
            - Digamos que essa seja a minha baia!
            Essa não seria definitivamente razão para a minha primeira espinafrada em âmbito profissional.
            Não contente com o episódio, resolvi cognominar o meu local de trabalho novamente, chamando-o agora de “saleta”. Outro cliente, porém, me fez a seguinte observação.
            - Eu pensava que “saleta” era uma sala pequena, mas não uma baia!
            A resposta estava pronta: “Quem fica em baia é jumento! E jumento que é jumento traz os outros para conhecer a sua taba!”
            Embora com a resposta na ponta da língua, realmente não valia a pena argumentar o contrário, afinal, quem ocupava a baia não era o cliente, era aquele jumento que pensava em contra argumentar.
            Novamente, percebi que o cognome do meu local de trabalho não poderia ser aquele, oportunidade em que o apelidei de novo, mas sempre aconteciam incidentes que me remetiam ao local de vivência asno, facilmente domesticável.
Resolvi, então, abstrair, me entregar ao sistema e aceitar a baia como o meu habitat natural. Para assegurar o meu consolo, comecei a observar que, quanto mais eu me incomodava com o nome do meu lugar de trabalho, mais eu me sentia um jumento. Portanto, que sejam aclamados os estábulos hodiernos e que possamos ruminar as novas tendências como bons asnos, afinal, bons asnos são muito difundidos no mundo e utilizados desde tempos imemoriais como animal de tração e carga, razão pela qual sempre terão a labuta garantida.
Esse pensamento, inclusive, me fez lembrar um prodigioso versículo adjetivado pelo profeta Pranchú, quando ensinava a arte de se manter incólume na ocasião da invasão de São José da Lagoa Tapada pelos fenícios:
“Malandro mesmo é o pardal, que canta mal só para não ficar na gaiola!”
Assim falou Pranchú.

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