Quem nunca ouviu falar em
Joseph Hoineff de
Logro? Nome difícil para descrever um sertanejo cheio de muganga e pabulagem!
Nasceu em
São José do Egito,
cidade do interior de Pernambuco, e criou-se em
São João do Cariri,
município do cariri paraibano. Ainda jovem, mudou-se com a família para a
cidade de Embu-Guaçu, região metropolitana da grande São Paulo, pois o seu pai
havia passado em um concurso de juiz de direito naquela cidade. Esse foi o
itinerário de Joseph até o momento em que nós nos conhecemos.
Sujeito introvertido, Zé do Embu, apelido que ganhara na época de neófito paulista,
vivia em um mundo ensimesmado de falácias e proezas que cercavam o seu
imaginário e que surpreendia quem o conhecia. A mentira, a calúnia e o embuste
eram armas que manejava com a habilidade do mais refinado hipócrita retórico.
Demonstrava-se um pouco envergonhado da sua história, embora fosse de uma
bravura considerável, mas que, mesmo assim, jurou apagar com o seu futuro de
devaneios as lembranças de seu passado na terra do São João, do Egito e do
Cariri.
De carregador da Graneiro à médico do posto de saúde, passando por padeiro à
jogador de golfe, Zé do Embu afirmava que já havia sido um pouco. A mentira era
algo que fazia parte de sua personalidade autista e enviesada. Confessava com
sinceridade e candura de anjo a mentira mais deslavada do mundo. Não
pestanejava nem diante do detector de mentiras e nem diante de um juiz, afinal,
já estava acostumado com a série de embustes que fazia para seu próprio pai,
que era juiz.
As histórias de Zé do Embu, diziam os colegas de faculdade, eram baseadas em
baseados. Uma espécie
de psicotrópico eloquente de embuste, uma verborragia falaciosa para os que não
o conheciam. Para o Zé, havia uma linha divisória muito tênue entre a emoção e
a pieguice, entre o talento e o embuste, entre a inteligência e a tolice.
Se a conversa debandasse para uma simples discussão sobre esporte, algo sobre o
último jogo entre a Treze x
Campinense2, o sujeito encetava um monólogo despropositado sobre
esportes radicais. Era uma mistura de salto de pára-quedas nas Colinas de
Golan, mergulho com os tubarões javaneses na Polinésia Francesa, surf noturno
na Ilha da Páscoa, salto duplo twist carpado em Acapulco, Bungee Jump invertido
na “CN Tower” em Toronto, apnéia com as baleias azuis em Abrolhos, entre outros
entrefeches. A falácia não era singela, era internacional mesmo. Para um
sujeito mal diagramado que saiu de Pernambuco, não era fácil supor que tudo
aquilo não passava de engodo, mas era hilário ver a ginástica imaginativa dele.
A situação já estava ficando crônica. A mentira perpassava pelos mais diversos
ramos do saber científico, começava pela matemática, enveredava-se pela
geografia, sacudia-se pela história e acabava na biologia. Era uma mentira
catedrática! Quando o assunto era dor de cabeça, por exemplo, o sujeito
encetava o monólogo da cefaléia, nome pedante para o assunto, mas que o fazia
criar fábulas dantescas sobre o tema. Se um colega contasse que a dor de cabeça
que sentia era grande, ele rebatia que a sua era ainda maior, chegando a
amolecer a moleira. Se alguém falasse que um dia teve uma dor de barriga
homérica, ele enfatizava que ainda hoje tem sequelas intestinais causadas por
uma dor de barriga acometida na sua última viajem à Holanda. Se outro colega
narrasse uma história de corrida de carros, ele minimizava a sua participação
no Rali Paris-Dakar.
Porém, se a conversa se inclinasse para tradições familiares, ele se empolgava
com as possibilidades, começando pela descendência dinamarquesa, perpassando
pelo pedigree austríaco, com algumas raízes francesas, canadenses e
norte-americana, chegando à origem tupiniquim imediata por intermédio de seus
avós espanhóis, vindo do sul de Portugal, ora pois! Se perguntasse efetivamente
qual era a sua origem, a resposta certamente dependeria da data festiva que
estavam comemorando naquele dia. Ele era o próprio calendário do ludíbrio. Se
brincasse, ele era até mesmo descendente direto de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Ave Maria!
Certa vez, um colega, que já não aguentava mais tanto embuste, traçou um perfil
jornalístico-literário do pabuloso Joseph, atribuindo uma frase que ficara
escrita nos anais do sicofanta: “objetividade
é uma patifaria!” Por que
falar a verdade? Ora, para Joseph, ou Zé do Embu, a mentira e a verdade não se
distanciavam em centímetros, pois a equidistância desses pontos exige medições
de outra ordem. Porções, proporções e desproporções eram os assuntos tratados
pelo velho Zé do Embu, potencializando as suas caricaturas de racionalidade.
Ele não era um embusteiro simplesmente, pois não se poderia reduzir a sua
figura aos fenômenos acontecidos com ele, pelo menos em sua narração. Ele era detentor
de uma arte peculiar, de um instinto sagaz, de um pensamento rápido, de uma
eloquência contumaz, enfim, ele é um dos precursores do que um dia viria a ser
chamado de “arte do embuste”.
Não era qualquer pessoa que tinha o lampejo imediato de embusteira como ele.
Se embuste fosse dinheiro, o vetusto Zé seria milionário! Se embuste fosse
profissão, o Zé seria o profissional exemplar. Se embuste fosse esporte, o Zé
seria o melhor atleta. Se embuste fosse arma, o Zé seria o Rambo. Se embuste
fosse piada, o Zé seria palhaço no Cirque
du Soleil. Mas, e se embuste fosse uma mera ilusão, o que seria o Zé? Seria
o mágico de uma realidade que todos querem ouvir. É isso mesmo, os embustes do
Zé não passavam de troças motivadas pelo desejo de ridicularizar e enxovalhar
àqueles que não iriam dar a mínima para a sua história. Ser embusteiro para ele
era uma forma de autodefesa.
A sua constatação sobre a realidade era algo que já fazia parte de seu
espírito, chegando até mesmo às raias da verdade. Bem, pelo menos para ele! O
sujeito mentia tanto que chegava facilmente a acreditar no que contava. Mas não
havia como ficar chateado com o Zé, pois o seu embuste era algo que já estava
arraigado em sua própria etimologia, afinal, já trazia o embuste no sobrenome
(Logro = Embuste) e no apelido (Zé do Embu = Embuste), ou seja, a mentira já
era familiar.
Enfim, se um dia qualquer cidadão encontrar com um Zé do Embu da vida e o mote da conversa for a
própria “mentira”, certamente esse sujeito dirá:
- Bem, não sou afeto a esse tipo de
conversa!
Esse é realmente um embusteiro de fé. O fato, porém, é que embuste para alguns
é tempero e insumo para a vida, afinal, como diria o vetusto Pranchú:
“É fazendo e falando muita merda
que se aduba a vida!”
Assim falou Pranchú!
Referências:
1. Texto
originalmente intitulado O
embusteiro de fé.
2.
Clássico futebolístico na Serra da Borborema, lá em Campina Grande.
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