Ô sufixo saudoso é o tal do “ano”! Volta e meia lembro-me
do gerúndio d’outrora conjugado com outras pequenas incorreções linguísticas.
Lembro agora do sujeitinho arredio dizendo o nosso velho e tradicional gerúndio
com a afável abstração de sempre:
- Tô nem ligano!
É a forma nominal do verbo conjugada
pelo sufixo “ano”, arquétipo da terrinha do sol ardeno. São lembranças
derivadas do velho hábito amistoso de ser, do intuitivo senhorio de cordel, da
astúcia repentista, da malícia com sotaque forte, dos bebuns das branquinhas,
da rapadura arretada, do bucho cheio de buchada, do alfarrábio valioso, da
peixeira amolada na pedra e das demais reminiscências do sertão.
Seria como se fizesse uma digressão
ao tempo do pelego e do enfiteuta dos infernos em alguma cidadezinha do
interior da Paraíba e alhures, remontando a fuleiragem e a munganga do
sertanejo no ato de mangar do povo:
- Ôxe, tá
ficano doido!
Lembrança nostálgica dos bons tempos
de neófito na enigmática arte de ficar ébrio sem brio, com os cachorros
lambendo a boca do sujeito arriado no meio-fio. Das primeiras incursões
etílicas no Bar do Cuscuz, no BarCaça, no Ceboleiro e todos os demais ambientes
em que haja um copo de requeijão para servir a cerva. Ambientes lúdicos onde a
poesia nos remetia ao nosso peculiar gerúndio, a exemplo da composição
poético-publicitária encontrada no banheiro do bar chamado C.U. (Cantinho
Universitário), em frente à Universidade Federal de Campina Grande-PB:
“Aqui tá terminano mais uma obra de um cuzinheiro!”
A gente só consegue entender a
saudade do sufixo “ano”, a exemplo do “trocadalho do carilho”
acima, quando não mais o ouvimos em razão da distância da terrinha. Mas sempre
encontramos alguns cabras de peste mundo afora que respeitam as origens. Foi o
que aconteceu recentemente em plena Avenida W 3, em Brasília, onde um gaúcho
conversava com um paraibano enquanto os transeuntes ouviam:
-
Barbaridade,
tchê! O que tu tens para comer neste farnel?
-
É o que homi? Que
diacho tu tá falano? Tô entendeno não!
O gaúcho aponta com o queixo para a marmita do
paraibano.
-
Ah, meu marmitex!
Tem carne-de-sol com macaxeira de primeira, lá de Picuí, Paraíba! E o que tu tá
carregano na matula?
-
Bah, não entendi
o que tu perguntaste! Repete!
O paraibano, coçando o queiro meio sem paciência, diz:
-
Tô perguntano
o que tu tá carregano no tabaco desse saco? Ô bicho leso!
-
Não é tabaco, ô
paraíba! Aliás, eu nem gosto de tabaco! Isso aqui é carne de veado assado, lá
de Pelotas!
O paraibano, meio intrigado,
resmunga:
-
Ixe, num gosta de
tabaco não, é? Mas bem que na carne de viado tu tá dano uns pega, né!
O gaúcho patenteou-se da cara de interrogação e tirou
de tempo.
-
Barbaridade,
tchê, paraibano tem um gerúndio que é difícil de entender!
Aquele colóquio me revigorava a alma e trazia à tona o
meu aspecto mais sertanejo, denunciando o meu pedigree de origem paraibana
(como diz o Bode Velho). Foi nesse momento que passei a entender que o gerúndio
peculiar do nordeste diminui a forma brusca de pronunciar o verbo. É a maneira
amena de expressar a forma nominal do verbo, diminuindo a dor da batida normal
do gerúndio. Por exemplo, ao invés de dizer “tô bêbedo”, o cidadão diz “tô bebeno”,
que, além de amenizar as últimas sílabas da frase, embriaga o sujeito simples.
Se o gerúndio nordestino não for compreendido,
lembre-se das sábias palavras do filósofo Pranchú, quando vivia enrabichado com
as mulheres embigodadas de São José da Lagoa Tapada:
Tô cagano e andano!
Ô saudade do
“ano”!
Assim falou Pranchú!