terça-feira, 22 de julho de 2014

FACAS GINSU VERSUS MEIAS VIVARINA


            Composta por um cabo de resistência peculiar, feito de uma liga de aço leve, uma lâmina de aço galvanizado e afiada com laser, as Facas Ginsu prometem superar o imaginário daqueles que vêem numa faca apenas um objeto culinário sem maiores proporções. As Facas Ginsu cortam qualquer tipo de coisa, de um simples papel até cabos de aço reforçado. Na compra de um jogo de Facas Ginsu, você leva, inteiramente grátis, um óculos de sol Ambervision.
            Em outro reclame, trata-se de um tecido composto por micro-partículas de um nylon desenvolvido pela NASA, fazendo com que não desfie e nem solte as tiras. Estamos falando, é claro, das Meias Vivarina, as únicas que resistem ao uso contínuo e prolongado sem se danificar. As Meias Vivarina resistem aos duros golpes de objetos cortantes, perfurantes e contundentes, formando uma espécie de armadura pós-moderna. Na compra de uma Meia Vivarina, leve, inteiramente grátis, um Ab-flex (Escultor Abdominal).
            O que os inventores não fazem para vender os seus produtos hoje em dia! Um promete a destruição total de tudo o que a lâmina de uma faca possa tocar. Já o outro produto oferece uma resistência jamais vista em um tecido, podendo servir até mesmo como uma espécie de armadura para o quotidiano. 
            Um destrói e o outro resiste. Nos dias de hoje, esta assertiva parece bem peculiar em meio à guerra que está acontecendo entre judeus e palestinos. São os desígnios da criação a serviço do criador. Em uma batalha inteligível, porém com propósito enviesado, as Facas Ginsu tenta usar o seu fio de alta precisão para rechaçar toda a resistência das Meias Vivarina.
            É uma batalha cruel, mas as Meias Vivarina resistem bravamente, uma vez que possuem um material desenvolvido pela NASA, ou porque não dizer, pelo governo de Israel. Em meio a isso, a pessoa que está usando as Meias Vivarina poderá ser cortada em vários pontos, causando destruição em lugares que não tem nada com esta batalha.
            As Meias Vivarina, muito apreciadas na Faixa de Gaza, aproveitam as peculiaridades do local onde está sendo travada a batalha e o único artifício da Faca Ginsu é diagnosticado pela sigla TT (Truculência e Tecnologia).
            Há, ainda, outra batalha a ser levada em consideração. Trata-se da guerra do marketing. Ora, quem compra as Facas Ginsu leva, inteiramente grátis, um óculos de sol Ambervision, que é para tapar o sol com a peneira. Os óculos de sol Ambervision também faz com que a visão do cliente fique turva, ocultando o que realmente se passa ao redor.
            Já as Meias Vivarina oferecem inteiramente grátis, em sua propaganda, um Ab-flex (Escultor Abdominal), com a possibilidade do consumidor deste produto ter que malhar e suar muito caso opte por esta escolha. É uma espécie de política de animosidades para quem aceita usar ou defender as Meias Vivarina.
            Uma coisa é certa, na guerra mercadológica e publicitária entre as Facas Guinso (a intolerância israelense) e as Meias Vivarina (a resistência palestina) quem perde é a sociedade, que fica vislumbrada com um pseudo-objetivo de ambas e alienada por uma política beligerante inconsequente. A desproporcionalidade dessa guerra se constitui em um evidente massacre e diversos crimes contra a humanidade, mas, enquanto isso, estamos mais preocupados com a nossa pequenez.
            E viva o Brasil, que é o mesmo freguês do mercado de violência que produz, e viva a viva as Havaianas, que não deformam e não soltam as tiras. E assim, parafraseando as encíclicas pranchurianas quanto a publicidade perdida, remeto o epílogo a uma profunda reflexão filosófica acerca de alguns conceitos existenciais:

         “Para quê papel higiênico em alto relevo se o toba não lê em braile?”
           

            Assim falou Pranchú!!

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O CASAMENTO WICCA





            Pranchú, em uma de suas solitárias peregrinações, fazia um breve descanso próximo a um conhecido convento localizado nas cercanias de Lagoa Seca, região localizada no brejo paraibano. Ao descansar reservadamente em baixo de um pé-de-castanhola, Pranchú observou uma cena bastante inusitada e que, ao par de suas reflexões, germinaria uma curiosa filosofia.
             Um casal de noivos, devidamente paramentado, saiu da Gruta Virgem dos Pobres e dirigiu-se para o Convento, conhecido como Ipuarana. Uma hora depois, o casal saiu do convento e encaminhou-se para um frondoso bosque que ficava próximo, local onde havia uma espécie de altar e alguns troncos de madeira. Naquele instante, os noivos sacaram dois cálices, proferiram alguns juramentos, beberam o vinho e, em seguida, quebraram os copos, como sendo uma espécie de cerimônia restrita e bastante circunspeta. Em seguida, o casal de noivos saiu do bosque e, por acaso do destino, se depararam com o onipresente Pranchú.
            Tomado de assalto e felicidade por encontrar o conhecido filósofo, sobretudo em um momento tão especial, o casal aproveitou o ensejo para agradecer ao destino e solicitar que o mestre concedesse uma bênção ao novo par, rogando que lhes fossem bridados com votos de eterna felicidade.
            - Oh, mestre Pranchú, vistes que casamos à luz de Deus e, agora que sacramentamos o nosso amor, pergunto: como fazer para que o nosso amor seja eterno?
            - Que vocês sejam felizes por quanto tempo durar o amor!
            - Mestre, o senhor deseja que sejamos felizes enquanto o amor durar? Ora, e isso tem prazo de validade? Assim não, só se for para a vida toda!
            - Meus queridos, que tipo de casamento foi esse que vocês acabaram de realizar?
            O noivo responde:
            - Um casamento bem pessoal em que juntamos a nossa fé e algum significado do casamento judaico, como a quebra de copos como uma promessa de amor eterno! Não seria isso, mestre?
            - Não, meus jovens, vocês acabaram de celebrar um casamento Wicca[1]. Trata-se de uma religião relacionada a rituais ligados ao campo e à natureza, sendo uma forma de agradecimento e oferenda aos deuses que já existiram. A promessa do casamento Wicca é “por quanto tempo durar o amor”, em vez da tradicional promessa cristã de que “até que a morte nos separe”.
            A noiva, um pouco atônita, questiona novamente ao mestre:
            - Ora, mestre, mas como fazer para que o nosso amor seja eterno?
            E o mestre responde:
            - O amor pode morrer em vida ou transcender a morte. A sua medida não é a eternidade, mas a sua própria existência. Que seja eterno enquanto dure!
            As palavras de Pranchú não foram bem aquelas que os noivos gostariam de ouvir, mas eles agradeceram e seguiram o caminho. Certamente eles iriam aprender à duras penas o que o filósofo quis repassar. Em todo caso, antes de saírem, Pranchú fez uma breve retificação em sua homilia, passando à conotação mais libertina do casamento:
            “- A vida de casado é muito boa, só perde para a de solteiro. Sendo assim, que seja eterno enquanto dura!”

            Assim falou Pranchú!


[1]. Wicca é uma religião neopagã influenciada por crenças pré-cristãs e práticas da Europa ocidental que afirma a existência do poder sobrenatural (como amagia) e os princípios físicos e espirituais masculinos e femininos que interam a natureza, e que celebra os ciclos da vida e os festivais sazonais, conhecidos como Sabbats, os quais ocorrem, normalmente, oito vezes por ano.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

DA EMBRIAGUEZ E SUA CIÊNCIA




            O vício da embriaguez na juventude acumula reservas para aumentar os acharques da velhice.
            Pois bem, partindo da premissa acima, Pranchú resolveu demover dois de seus seguidores da ideia de beber, pois eles estavam se embriagando praticamente todos os dias. Não que fossem alcoólatras contumazes, mas eram contumazes em ser alcoólatras, ainda que não ficassem embriagados todos os dias.
            Adamastor, ou simplesmente Totó, era parente de Pranchú e trabalhava como comerciante, vendia de tudo. Já Babaloo, ou simplesmente Baba, era amigo de infância do filósofo e trabalhava no atacado, um hora ele atacava de vendedor da Amway outrora como vendedor, muambeiro, engenheiro, etc. Em comum, ambos gostavam muito da caeba e demais fuleragens diárias.
            Pranchú, missionado na ideia acima, pergunta inicialmente para Totó:
            - Caro Totó, seja sincero, você gostaria de parar de beber?
            - Oxe, deixar por quê? Mestre, se eu fizer isso certamente começarei de novo. É aquela velha história: pior do que a doença é a recaída! Deixo nada!
            - E tu Baba, gostaria de parar de beber?
            - Mestre, tenho pancreatite, bursite, artrite, tendinite, bronquite, amigdalite, gastroenterite e atualmente estou com laringite e conjuntivite. É “ite” demais para uma pessoa só. Ao contrário de Totó, eu gostaria muito de parar de beber! Se isso acontecesse de fato, te garanto Mestre, eu tomaria um porre tão grande que seria capaz de morrer dele...
            E assim, na mais singela objetividade, Pranchú encerra o diálogo com um breve diagnóstico para a embriaguez moral dos dois sicofantas:
            “Enquanto o corpo estiver tomando mais cerveja do que remédios, tudo estará sadio!”

            Assim falou Pranchú!!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O MEDO EM DOMÍNIO


            Os pés postados, alinhados e sustentados apenas pelos dedos. As pernas estavam ligeiramente inclinadas, as costas arqueadas e o peito estufado. Os braços totalmente levantados e as mãos ficavam juntas como quem faz uma última prece. A cabeça era um caldeirão ensandecido que continha um ingrediente peculiar: os grandes medos.
         Flash da vida em um momento de concentração. Todos os medos eram agrupados e divididos em matérias do saber humano: biologia, física, matemática, química, filosofia, entre outras. O medo do arrependimento era o único que ainda não estava à mercê de qualquer disciplina, pois até então não havia sido conjeturado.
         Quando menos se espera o movimento acontece. Agora mesmo é que não havia como se arrepender. Tratava-se de uma equação física bastante peculiar carreada pela mecânica da vida, ou quem sabe da morte. O coração ficava apertado e a respiração difícil.
         Nesse momento ocorre um instante único, a perpetuação de alguns segundos. É uma sensação inenarrável, pois é a mistura de todos os sentidos e sentimentos em contraste com os grandes medos. O prazer vem desde o início da escolha do desiderato. A emoção, se for considerada em suas devidas proporções, não cessa em momento algum. A alegria é denunciada pelo sorriso fácil e prazeroso. O vento conota o delicioso perfume da liberdade, considerando as suas dimensões, é claro.
         Já os grandes medos estavam esculpidos no desconhecimento do que estava por vir, na possibilidade de sentir dor, tristeza, amargura, sofrimento e, até mesmo, o autoflagelo. Mas, o que seria da vida sem os grandes medos? O que seria da virtude sem o medo? Afinal, “quem não tiver a prudência por serva, tenha-a por amiga”. (Baltazar Gracián – A Arte da Prudência)
         O corpo invertido já estava totalmente ereto, em movimento progressivo, velocidade escalar, trajetória, força, propriedade da matéria, massa, peso e a terceira lei de Newton, era o diagrama do bonequinho em movimento e em consonância com a física. A velocidade final estava estampada na careta e no primeiro toque da mão naquele líquido gelado e contundente.
         O movimento seguinte já era encharcado de prudência e felicidade diante de quem passou pelo mais difícil e agora bebia o saboroso líquido da vitória. A sensação de ter conseguido vencer o medo é o melhor prêmio para quem desafia a vida de peito aberto e com o sorriso no rosto.
         As possibilidades que a vida nos dá é uma dádiva que devemos saber aproveitar. Surge, então duas opções na vida: ou vivemos com medo e não nos damos a chance de viver sensações avassaladoras; ou abstraímos o medo em forma de virtude para vivermos tudo de bom que a vida oferece.
         Não quer dizer que sejamos tolos a ponto de virarmos Kamikazes da vida moderna, apenas verificamos que o medo, de certa forma, nos guia para bons lados, mas não devemos deixar que ele nos domine.
         O domínio dos nossos medos nos conduz a facetas surpreendentes que até mesmo duvidamos, a exemplo de quem encara desafios com o peito aberto, entrega-se a uma paixão sem estar preso às contingências da vida, abandona o paradigma de estar atrelado a convenções, vive sem estar a mercê do que os outros poderiam pensar e ainda sorri da própria situação.

         O domínio dos nossos medos poderá nos levar a lugares e sensações inigualáveis, como o maravilhoso e enigmático salto do penhasco em Acapulco, no México, supra descrito como a mistura de sentidos e sentimentos em contraste com todos medos que temos na vida.

terça-feira, 30 de julho de 2013

DO ÉBRIO E DA VERGONHA ALHEIA (Parte I)


            Em algumas situações, o constrangimento é um substantivo masculino tão marcante quanto uma crucificação encarnada. O penitente pode até volver-se com os joelhos estropiados na intenção de pagar todas as promessas e remover o dito substantivo, mas algumas situações grudam na memória carcomida da algumas biografias e não largam nem com creolina. Essa foi uma situação que ficou marcada na vida do Papa, apelido do mancebo seguidor do vetusto Pranchú e ora escriba, que testemunhou o ocorrido e a vergonha alheia.
            O Papa, enquanto sacerdote do curso de Direito na prestimosa cidade de Campina Grande, já se achando o próprio “adevogado”, foi convidado a participar de um badalado churrasco na residência da sócia majoritária do escritório em que estagiava. O Papa regozijava-se do convite porque importantes pessoas iriam participar do evento, oportunidade em que poderia exercer uma nova arte que recentemente havia descoberto: network marketing, termo inglêsístico que entendia designar somente a velha e boa confraternização. Isso era o que o Papa entendia do termo!
            Chegando ao evento, muito bem paramentado, o Papa aprendeu a sua primeira lição do dia, cuja máxima remetia a um princípio econômico-financeiro: “nenhum almoço é de graça”. Essa sentença foi explicitada no momento em que o sujeito deu o ar da sua graça, oportunidade em que foi conduzido educadamente ao pomposo escritório que havia na mansão, onde a Dr. Letícia, sócia majoritária do escritório, o aguardava.
            A Dra. Letícia agradeceu a presença do estagiário e o informou que havia surgido uma urgência profissional que precisaria ser resolvida imediatamente. Tratava-se de um Mandado de Segurança que precisaria ser impetrado no plantão judiciário, no dia posterior, um domingo, e que o único que poderia ajudá-la seria o jovem pretenso advogado. É nessas horas que o sujeito percebe o quanto o estagiário deveria se colocar em seu lugar, qual seja: o lugar de um asno. Enfim, agora não tinha retorno, uma vez metido a advogado, advogado teria que ser, mesmo que na merda máxima.
            O mancebo aceitou a empreitada, juntamente com um prato de maminha e uma Coca-Cola, iniciando os trabalhos logo em seguida. Átrio, cabeçalho, síntese da pretensão, fatos, do direito líquido e certo e um breve intervalo para tomar um copo muito bem servido água, afinal, para que servir outra coisa para quem estava trabalhando em um sábado? Após um longo embate com o computador, por volta das 21h00 o remédio constitucional estava pronto para o ajuizamento no dia seguinte.
            Quebrado igual a arroz de quinta, o jovem só tinha uma pretensão naquele instante: ir embora o mais rápido possível antes que inventassem outro periculum in mora e a necessidade de novo serviço extra, sem qualquer garantia trabalhista, é claro. Evidentemente que o estagiário não estava e nem poderia estar minimamente estimulado naquele evento, ao contrário dos advogados do escritório da Dra. Letícia e dos outros convidados, todos embriagados em níveis bastante superiores aos meros 0,2 g/l (0,02%) permitidos pelo teste de alcoolemia (bafômetro). Aliás, alguns passaram do estágio de embriagados para perturbados emocionalmente! Caso evidente de psiquiatria.
            Ao tentar sair à francesa, como certamente diria o afrescalhado Francisco Tico, colega de faculdade, o jovem mancebo foi cercado pelo Sr. Paulo, esposo da Dra. Letícia, que estava totalmente mamado, daqueles que ficam em pé e fazendo um pêndulo. O Sr. Paulo, na sacrossanta honestidade de um ébrio no terceiro estágio, agradeceu a oportunidade de salvar a sua esposa do espinhoso trabalho que ela teria que fazer naquela tarde. Ele aproveitou o ensejo para agradecer ao estagiário por ele torcer pelo Flamengo, por ser educado, batalhador e por outras coisas que só quem está embriagado entende.  
            Como quem carrega um troféu, o Sr. Paulo levou o estagiário a uma grande roda de bêbados que conversava todos os tipos de asneiras. As piadas de mau gosto destoavam do requinte da mansão, mas evidenciavam o pedigree de origem daqueles sicofantas. Aliás, quanto mais cabeluda e sebosa a piada, mais as risadas se propagavam.
            Nesse instante, o Sr. Paulo, no auge de seu porre e sedento também pela atenção dos demais, chamou a Dra. Letícia, puxando-a pelo braço e fazendo um pedido de silêncio entre os presentes. Ele dizia que tinha um causo para contar em relação aos dois. A Dra. Letícia fez um olhar de desespero, enquanto que os demais instigavam ao bêbado a contar o ocorrido, com coro e tudo mais: conta, conta, conta...
            Sinceramente, na qualidade de Papa, não me recordo o dia em que vi, nos olhos de uma pessoa, o medo espalhar-se com tanta facilidade. Era uma coisa medonha, algo do estilo Hitchcock. A Dra. Letícia fazia o vetusto gesto perpetrado pelo Leão da Montanha, “saída pela esquerda” (exit...stage left), mas era contida pelo braço e pelos pedidos de psiu, como quem pede silêncio para a dona da casa. Momentos de silêncio, o Sr. Paulo diz em voz bastante alta:
            - Sabe de uma coisa: acho que sou viado!
            O silêncio que já era corrente havia virado catatumbal, daqueles que nem mesmo os grilos dão um piu. Será que eles também ficaram atônitos? Nesse momento, o Sr. Paulo continua:
            - Pois é, a minha mulher faz um fio terra trifásico em mim e eu vou às alturas. Será que isso é viadagem?
            Ela se desgruda do sujeito e faz os dez metros mais livres e mais rápidos do que poderia imaginar o Usain Bolt. Acredito que o pique tenha sido o da velocidade da luz, já que o mote era as três fases da corrente elétrica (trifásico), assim compreendido os três dedinhos em forma de cone acoplados à velha tomada desgastada do Sr. Paulo.
            Taí, depois de uma tarde inteira sem colocar um copo de cerveja na boca e de tantas piadas sem graça, aquela realmente era boa! Quando o Papa pensou em apresentar os dentes aos convidados, percebeu que os bêbados da rodinha, quem sabe “dá a rodinha” mesmo, pararam de rir. Em um gesto repentino, o primeiro ébrio levanta-se, estende a mão e diz:
            - Valeu Paulo! O churrasco estava muito bom! Vou ter que ir, boa noite!
            O segundo segue o mesmo gesto:
            - Aê Paulão, valeu o churras! Inté! 
            O terceiro enceta:
            - Falou meu caro, abraço! Fui!
            O quarto dá dois tapinhas nas costas do Paulo e sai sem falar nada. O Papa, por sua vez, vendo o ambiente se esvaziar, agradece ao Sr. Paulo e bate em retirada, lembrando que o motorista da sua Mercedes-Benz costumava não atrasar quando passava na parada do 555, conhecido como o Grande Circular, bairro – centro.
            Na segunda-feira, a Dra. Letícia não apareceu no escritório. Na terça-feira, ela deu uma ligadinha para a secretária no final da tarde. Na quarta-feira, ligou duas vezes para a secretária e para outra advogada, por um período que não passou dos dois minutos. Na quinta-feira, ela passou no escritório, no final do expediente, e ficou cinco minutos. Na sexta-feira, a Dra. Letícia lembrou que tinha um Mandado de Segurança urgente para impetrar, o qual já estava pronto desde o fatídico dia da revelação e que fora ajuizado às pressas naquele dia, o mesmo que ela lembrou do trabalho.
            O Papa não soube bem o desiderato daquele fatídico dia de embriaguez, mas ficou rejubilado em saber como se sente um verdadeiro sacerdote no momento de uma confissão: chocado! Enfim, o fato é que a ressaca do evento perdurou a semana toda e ecoa até hoje nos colóquios de boteco Brasil afora, pois remonta a velha e sábia encíclica que se deixa a título de vaselina moral, como prescrevia o erudito Pranchú:
            “Bebum culus non patronus est!”


            Assim falou Pranchú!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

RETÓRICA DAS PAIXÕES: O DIÁLOGO ENTRE ARISTÓTELES E PRANCHÚ


Retórica das Paixões[1]

            - Pô, mas com um nome desses, você queria o quê? Desculpe a franqueza, mas parece nome de local onde só vai doido ou alguma coisa do gênero!
            Essa frase foi retirada do início de um prodigioso colóquio havido em Atenas, aproximadamente em 310 a.C., quando dois estudantes discutiam sobre a atitude do pai do estudante mais novo. O diálogo principiou-se questionando as atitudes do referido pai quando cobrava do filho empenho nas aulas de lógica, biologia, zoologia, matemática, física, metafísica e tantas outras disciplinas não menos diferentes das dos dias de hoje.
            - O professor Rhibamar[2], de biologia, não poderia ter mostrado a minha nota diretamente ao meu pai. Se ele me entregasse antes, talvez eu pudesse utilizar a única coisa que realmente aprendi bem até os dias de hoje: a retórica. Quem sabe eu mudaria a minha nota utilizando a velha e boa retórica[3] para um contexto de dúvida, afinal “a dúvida é o princípio da sabedoria.[4]
            - Belas palavras, Ari! Mas se você realmente conseguisse mudar a sua nota com base na retórica, eu seria seu eterno discípulo. O problema é que o zero é uma nota originária de uma linguagem universal e bastante persuasiva, quase imune à retórica. Sinceramente, amigo véi, acho que biologia não é bem a sua área de expertise.
            - Pois é, mas o que devo fazer agora? O meu pai, o velho e bruto Nicômaco, vai comer o meu fígado por causa dessa nota e por causa da mentira que contei, já que não tive coragem de dizer a nota a ele. Já estou até imaginando o castigo: ele vai me levar para a repartição e me deixar preso naquela biblioteca do velho Alexandre por uns seis meses, no mínimo.
            - Te acalmes amigo e veja pelo lado bom. Quem sabe você, durante esse tempo, possa refletir sobre tudo o que aconteceu. Veja só, mentira é algo que fere a moral, que, por sua vez, faz parte da ética. Sei lá, de repente você reflete um pouco a respeito da Ética a Nicômaco[5], o seu velho pai. Já que você estará de castigo na biblioteca do velho Alexandre mesmo, pense no tanto de bobagem que você anda fazendo com essa tal de Retórica[6], que um dia vai acabar te fudendo de verdade.
            - Gostei de suas sugestões, mas ficarei muito tempo isolado e bastante solitário durante esse período. “O homem solitário é uma besta ou um deus.”[7]
            - Não ficarás solitário, meu caro amigo Ari! No momento em que ninguém ora pro nobis, quem sabe refletes sobre “Virtudes e Vícios”[8] e enceta o monólogo do onanista. É uma excelente oportunidade para refletir durante o autoflagelo sexual. Se não estiveres inspirado, lembre-se do capitãozinho[9] e dos demais incentivos que ganhávamos da professora Valéria Messalina Augusta[10] nas épocas de intercâmbio em Roma.
            - Meu nobre amigo Pran, estou quase pedindo e propondo esse castigo ao meu pai. Você tem toda razão. “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer!”[11] Vou me ferrar nessa merda de biblioteca, mas será por uma boa causa, afinal “a educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces.”[12] Vou encarar de frente o velho e bruto Nicômaco, meu pai, mas sei que vem peia daí!
            - Pô, mas com um nome desses, você queria o quê? Desculpe a franqueza, mas parece nome de local onde só vai doido ou alguma coisa do gênero! (diálogo inicial). Nicômaco parece originário de Manicômio, por isso que você é meio maluco e tem o juízo no pé esquerdo. Para completar essa sua maluquice, só faltava você ser filósofo e expert em biologia[13], essa matéria que você se fudeu agora. Pense numa ironia do destino!
            - Isso é uma provocação, amigo Pran? Conheço-te bem e sei que “o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz.[14]
            - Quem sou eu para provocar alguma coisa, caro Ari! Estou só fazendo um breve comentário sobre algumas possibilidades da vida, afinal, não é de boa prudência provocar um sujeito maluco como você. Aliás, não duvido absolutamente nada que, para curar essa doidera, você enverede também pelo ramo da psicologia[15].
            - Essa também é uma boa ideia, amigo Pran, pois “nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura”[16].
            - É verdade, Ari, mas você é o tipo de doido que nem o Dr. Gardenal, aquele proprietário do hospício de Atenas, dá jeito! Enfim, em todo caso, se eu fosse você, aproveitaria o seu desiderato de bom grado e também chamaria o Prof. Platão para lhe acompanhar, já que ele é um velho maconheiro e que não fala coisa com coisa mesmo. Quem sabe vocês não criam alguma coisa juntos[17]!
            - Amigo Pran, agradeço as suas sugestões, mas é melhor parar de me dar ideias! Estou com o meu caldeirão fervilhando de insights e preciso urgentemente de uma Brejeira de Rhodes[18] antes do almoço, que é “muito bom pra ficar pensando melhor”[19]. Você é um amigo muito dedicado e que contribui bastante para o meu singelo crescimento. Só tenho mais uma coisa a te dizer: sou baixinho, mas “se vi ao longe é porque estava nos ombros dos gigantes.”[20] Obrigado, meu amigo!
            E assim, a história demonstrou que o pequeno Ari transmutou-se no gigante Aristóteles, tudo como um desafio ao onipresente filósofo iluminista Pranchú e seus ensinamentos subliminares. Ao final do colóquio acima, o prodigioso Pranchú retruca a conclusão aristotélica com uma frase que um dia se tornaria pergaminho:
            “Se vistes ao longe, amigo, é porque ginecologista tu és, pois enxergas lá na casa do caralho!”

            Assim falou Pranchú!




[1]. Retórica das Paixões é a segunda obra sobre Retórica do filósofo grego Aristóteles. O que Aristóteles se dispõe explicitamente a mostrar em sua Retórica é que as paixões constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencer. Um crime horrível deverá suscitar indignação, ao passo que um delito menor, absolutamente perdoável, deverá ser julgado com compaixão. Para despertar tais sentimentos, é preciso conhecer os que existem antes de tudo no instigador do auditório. Há aí uma verdadeira dialética passional, que se enreda sempre em retórica com um ajuste das diferenças, das contestações, o qual deve chegar, para que haja persuasão, a uma identidade, o ideal político de toda uma relação com outrem.
[2]. Referência ao grande mestre Ribamar, excepcional professor de biologia em Campina Grande (PB) e alhures.
[3]. Retórica (do latim rhetorica, originado no grego ῥητορικὴ τέχνη [rhêtorikê], literalmente a «arte/técnica de bem falar», do substantivo rhêtôr, «orador») é a arte de usar uma linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva.
[4]. Frase aristotélica.
[5]. Ética a Nicômaco (em grego: Ἠθικὰ Νικομάχεια transl. Ēthicà Nicomácheia; em latim: Ethica Nicomachea) é a principal obra de Aristóteles sobre Ética. Nela se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência.
[6]. Retórica é uma obra do filósofo grego Aristóteles. É composto por três livros (I: 1354a - 1377b, II: 1377b - 1403a, III: 1403a - 1420a) e não existem dúvidas acerca da autenticidade da obra.
[7]. Frase aristotélica.
[8]. Das virtudes e vícios (De Virtutibus et Vitiis Libellus, em latim) é o mais breve dos quatro tratados de ética atribuídos a Aristóteles. A obra, atualmente, é considera espúria por acadêmicos e suas verdadeiras origens são incertas, ainda que provavelmente foi criada por um membro da escola peripatética.
[9]. A. Bolinho de arroz, feijão e farinha feito com a mão. As mães utilizam o truque para incentivar o apetite das crianças. B. Fazer capitãozinho - quanto a namorada aperta o pênis do namorado carinhosamente e de forma repetitiva. Fonte: Dicionário de Cearês - Termos e expressões populares do Ceará, Marcus Gadelha, Clio Editora (7ª. Edição), 2010.
[10]. Messalina foi a mulher do imperador Romano Claudius. Foi conhecida por ser adúltera e inescrupulosa. Em um episódio desafiou a maior prostituta de Roma para um duelo em que sairia vencedora aquela que transasse com o maior número de homens em 24 horas. A prostituta no meio da disputa desistiu por não aguentar mais e a Messalina continuou por mais de24 horas. Transformou o palácio em um bordel e ainda tentou matar Claudius. Hoje em dia Messalina é sinônimo de mulher fácil, galinha, mulher bandida, sem caráter e adultera, ou seja, sinônimo de vadia, puta mesmo.
Fonte: http://www.dicionarioinformal.com.br/messalina/
[11]. Frase aristotélica.
[12]. Frase aristotélica.
[13]. No ano de 343 a.C., de volta a Atenas, Aristóteles fundou o Lykeion, origem da palavra Liceu (lyceum) cujos alunos ficaram conhecidos como peripatéticos (os que passeiam), nome decorrente do hábito de Aristóteles de ensinar ao ar livre, muitas vezes sob as árvores que cercavam o Liceu. Ao contrário da Academia de Platão, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Alexandre mesmo enviava ao mestre exemplares da fauna e flora das regiões conquistadas. O trabalho cobria os campos do conhecimento clássico de então, filosofia, metafísica, lógica, ética, política, retórica, poesia, biologia, zoologia, medicina e estabeleceu as bases de tais disciplinas quanto a metodologia científica.
[14]. Frase aristotélica.
[15]. Obras de Aristóteles sobre a PSICOLOGIA: Sobre a Alma; Sobre a Sensação (= Parva Naturalia 1); Sobre a Memória (= Parva Naturalia 2); Sobre o Sono e a Vigília (= Parva Naturalia 3); Sobre os Sonhos (= Parva Naturalia 4); Sobre a Predição pelos Sonhos (= Parva Naturalia 5); Sobre a Longevidade e a Brevidade da Vida (Parva Naturalia 6); Sobre a Juventude e a Velhice (= Parva Naturalia 7); e, Sobre a Respiração (=Parva Naturalia 8).
[16]. Frase aristotélica.
[17]. Juntamente com Platão e Sócrates, Aristóteles é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental.
[18]. Brejeira = cachaça fabricada no brejo, típica do brejo paraibano. Rhodes: a maior das ilhas do Dodecaneso, situadas no Mar Egeu e que integra o território administrado pela Grécia; famosa devido ao Colosso de Rhodes.
[19]. Frase utilizada no futuro por um filósofo pernambucano chamado Chico Science.
[20]. Frase aristotélica.



terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O SACERDÓCIO DA CERVEJA





    O mundo foi pego de surpresa com a renúncia do Papa Bento XVI, o pontífice alemão e ex-mancebo da juventude hitlerista. A dúvida foi semeada nos corações dos fiéis e até nas centúrias de Nostradamus procuraram explicações, afinal por que um cabra iria deixar um emprego bom desses, com todas as contas pagas, serviçais de todas as raças, cores e mesmo credo ? Aqui iremos contar o que realmente aconteceu.

    Bento XVI estava em mais um dia de trabalho (muitos diriam que estava apenas papando) quando lhe chegou uma leitura que há muito havia requisitado: Os Manuscritos do Mar Morto. Notara uma resistência por parte dos setores mais burocráticos da Igreja para que não lesse este documento. Queria ler a parte que fora censurada ao público e conhecida por poucos mesmo dentro da Igreja. Dizem que João Paulo Segundo não pode ler pois teria que escolher entre este e os segredos de Fátima. Bento XVI não sabia o quanto aquilo mudaria seu destino e do mundo. Pegou a xérox do manuscrito e começou sua leitura.

    E eis que um peregrino oriundo da Pranchúria, terra longínqua e de homens misteriosos, chegou ao Egito em um ano esquecido pelo próprio tempo. Por ser um homem cuja lenda antecedia seus passos fora muito bem recebido pelo próprio faraó, Ramsés III. O berço da cultura no continente africano organizou uma recepção real para o forasteiro conhecido como Pranchú, o macho. Chegou montado em um jumento com um bizaque de caçador e uma cabaça com pouca água. Um tablete de rapadura lhe serviu como refeição por meses a fio. Ao entrar no templo de Luxor o Faraó lhe deu as boas vindas e apresentou sua corte.

    Primeiro o Faraó abriu uma janela de dentro da pirâmide e uma imensidão de escravos estava torrando embaixo de um calor indescritível, parecia que o sol estava mais perto naquele dia. Pranchú olhou com respeito para toda aquela multidão que movia o império egípcio com suas construções milenares, misteriosas e que o tempo provou serem eternas. O Faraó disse:

    - Este é o chão de fábrica do nosso império. Escravos e mais escravos. Trabalham muito, de sol a sol, mas têm sua recompensa no final do dia.

    Pranchú estranhou e pensou que recompensa seria aquela mas deixou seu anfitrião prosseguir com a apresentação de sua sociedade. O Faraó bateu palmas e alguns servos apareceram para fechar a janela, ao que aproveitou para apresentá-los:

    - Estes são os serviçais que cuidam dos afazeres mais simples do império. Não estão subjugados ao trabalho forçado dos escravos mas contribuem com seus esforços para dar um gostinho a Rá , nossa mais querida divindade !

    Pranchú olhou com afeição para os serviçais que andavam estranhamente de perfil e fez um sinal com a cabeça, ao tempo que exclamou:

    - Opa !

    Quando os serviçais se retiraram e Ramsés bateu palmas novamente um grupo de camponeses entrou na ampla sala piramidal portando frutos e iguarias egípcias. O Faraó lhes apresentou:

    - Estes são os camponeses que cultivam as dádivas que a terra nos dá.

    Pranchú pegou um cacho de uva e seguiu escutando as explicações do Faraó:

    - Como todos os outros do meu reino eles também tem sua recompensa ao final do dia.

    Pranchú começou a se interessar pela tal recompensa. O Faraó caminhou para uma outra sala cheia de papiros e lhes apresentou os escribas, todos sentadinhos no chão e enchendo papiros e mais papiros com figuras. Pranchú cumprimentou o pessoal e seguiu o Faraó para uma área reservada porém espaçosa de dentro da pirâmide, de onde vinha um cheiro enebriante.

    - Aqui estão os sacerdotes que tanto trabalham na missa das 6 de todos os dias quanto na produção daquela que é a nossa alegria, o prêmio pela labuta diária à qual em meu império todos tem direito de beber: a cerveja !

    Pranchú olhou com os olhos arregalados para todos os sacerdotes compenetrados que mexiam caldeirões ferventes, de onde saiam os odores mais encantadores. O Faraó , com um gesto, pediu que uma serviçal trouxesse um copo para que Pranchú, o macho, experimentasse daquela bebida. Pranchú pegou do copo e sorveu o líquido com gosto e vontade.

    Então neste ponto do texto Bento XVI se ajeitou na sua cadeira papal para ler com atenção aquela conclusão que faria com que desistisse do seu próprio sacerdócio.

    Todos ao redor de Pranchú esticaram um pouco o pescoço para escutar o que aquele homem diria. Foi quando Pranchú arrotou em alto e bom som e disse:

    "Melhor do que uma fábrica de cerveja só uma fábrica de buceta !"

    Assim falou Pranchú !