- Puta que pariu, Prancha! Que porra de lugar é esse? Se
eu não fosse seu amigo há muitos anos, certamente diria que você é um tremendo
de um baitola!
- Pô, Plata, mas não foi você mesmo que disse que queria
ir a um local propício para refletir sobre metafísica, gnoseologia, dialética e
misticismo? Então, aqui é um excelente local para isso!
- E tinha que ser na porra de uma caverna escura como
essa? Não poderia ser na encosta de uma montanha, em uma enseada, em um barco
ou em qualquer outro local mais arejado? Francamente, esse local é totalmente
desconexo do mundo e não tem nada a ver com o que penso. Perdi o meu tempo. Bem
que eu poderia estar batendo uma bolinha com velho Sócrates lá no CT do Clube
Ateniense e tomando uma Dionísia[1]
estupidamente gelada!
- Calma, Plata, não fique bravo. Não é você mesmo que
diz: “tudo que ilude, encanta!”[2]
Pois bem, esse local ilude e, por isso mesmo, encanta. Já fiz várias reflexões
por aqui com o colega Zoroastro, oportunidade em que discutíamos sobre a crença
no paraíso, na ressureição, no juízo final e na vida de um messias, esses papos
mais amenos.
- Papos mais amenos? Você acha que discutir o juízo final
é um papo ameno?
- Tudo depende de como as coisas são contadas, amigo
Plata. Estamos aqui para “buscar a
verdade essencial das coisas”[3].
- E como você acha que vou buscar a verdade essencial das
coisas nesse breu e sem inspiração alguma?
- Cara, fica tranquilo que já pensei em tudo. Para chegar
a essa verdade, eu trouxe um rango que não é bem um “banquete”, mas vai ajudar,
afinal, saco vazio não para em pé. E também, trouxe outro negocinho aqui!
- Que outro negocinho, Prancha?
- Bem, já que a Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou Duodecim Tabulae, em latim)
ainda não regulamentou a matéria como contravenção, trouxe um cigarrinho do
capeta para vaporizar o ambiente e ajudar na inspiração. Assim, podemos ficar inspirados
e sem aquele laricão!
- Só você, hein, Prancha, para me tirar do sério!
Instintivamente, Pranchú saca do farnel um tufo de planta
canabácea[4],
um delgado xantungue de seda e, com uma desenvoltura de um mestre Jedi, envolve
tudo com apenas uma das mãos, transformando-se em um gigantesco charuto de cannabis! Com a outra mão, Pranchú pôs
fogo em umas gramíneas utilizando-se da vetusta técnica fire starter[5].
Em seguida, o famigerado cigarro já estava aceso e em plena utilização.
Após trinta minutos de um silêncio catatumbal, o diálogo
recomeça com um clima mais aprazível!
- Aê, Prancha, acho que você tinha toda razão! Esse
cenário é perfeito para uma reflexão profunda. Sou capaz de discutir até mesmo
sobre o juízo final e outros enfoques mais tranquilos. O ambiente me
tranquiliza para pensar, afinal: “quando a mente está pensando, está falando consigo mesma.”[6] Olha só aqueles lindos pássaros fazendo uma harmoniosa
revoada!
- Ô Plata, acho que você não está enxergando direito,
pois aquilo ali não é um bando de pássaros, mas um bando de morcegos. Não tem
nada de bonito naquilo.
- E daí, o que importa é o conceito!
- Que conceito? Morcego é morcego e pronto! Esse escuro
todo também não contribui para essa sua visão turva.
- Prancha, “podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do
escuro. A real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.”[7]
- Agora fudeu de vez! Você não está falando nada com
nada.
- Imagine esses lindos passarinhos...
- Passarinhos o caralho, são morcegos, Plata!
- Que seja! Imagine esses morcegos, que vivem em uma
caverna escura, descobrindo o mundo de luz que tem lá fora. É como se
libertassem de uma prisão interna e descobrissem a verdadeira essência das
coisas para além do mundo sensível. É como se pudessem acreditar, desde que
nasceram, que o mundo é de determinado modo e, então, descobrem que quase tudo
aquilo é falso, parcial e que existem novos conceitos, totalmente diferentes.
- Bicho, não sei que porra é essa que você está falando,
mas pode ser que tenha algum sentido.
- É como se os morcegos se libertassem de sua própria
ignorância! Os morcegos que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá!
- Caralho, o fi de rapariga está doidão! Plata, toma um
pouco de água que você passou para o estágio de perturbado emocionalmente.
- Prancha, os morcegos se libertam da ignorância. “A alma deseja voar de volta para casa, para
o mundo das ideias. Ela que se libertar do cárcere do corpo” [8]
- Vixe Maria!
-“Não há nada bom
nem mau a não ser estas duas coisas: a sabedoria que é um bem e a ignorância
que é um mal.” [9]
- Pronto, agora está poetizando a parada!
- “Todo homem é
poeta quando está apaixonado!” [10]
- É o que, Plata?
- “Não há ninguém,
mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o amor toma conta dele.”
- Ok, Plata, essa conversa está tomando um rumo muito
estranho. Estamos no meio de uma caverna bem escura e você vem com esse papinho
de amor, apaixonado, coisa e tal! Que viadagem é essa?
- “A parte que
ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos.”
- Ignorância é o caralho! A única coisa que sei é que
essa maconha está revelando o seu lado baitola! Pare de falar merda e tente
volver em si.
-“Tente mover o
mundo. O primeiro passo será mover a si mesmo.” [11]
- Foda-se! Agora dê o primeiro passo para mover a si
mesmo e vamos para casa. Você já passou dos limites, seu maconheiro safado!
Duas semanas após esse desconexo diálogo, Prancha e Plata
se encontram em frente ao Liceu Ateniense, escola onde a turma da época
estudava. Um pouco envergonhado, Plata enceta:
- Amigo Prancha, peço escusas por aquele dia! Fiquei demasiado
entorpecido e não me lembro de muita coisa. A única coisa que me lembro é que
cheguei em casa e anotei no caderno algumas coisas sobre caverna, descobertas,
luz, escuridão, sei lá, algo do gênero. No outro dia, quando fui ler, não
entendi porra nenhuma. O caderno está lá, embaixo da minha escrivaninha e com
um cheiro insuportável de maconha.
- Tudo bem, acho que a marijuana subiu muito rápido para
essa sua mente já ensandecida. Mas me diga uma coisa, e aquele papinho de amor,
apaixonado, coisa e tal? Fiquei preocupado. Estás virando qualira[12]?
- Não, amigo Prancha! Na verdade, estou totalmente
arreado por uma bela e jovem gazela que mora nos arredores de minha humilde
morada. Trata-se de uma vizinha cuja graça atende por Diotima de Mantinea[13].
Ela é tão especial que só tenho vontade de cultuá-la e não de tocá-la de forma
alguma!
- Você chegou pelo menos a conversar com ela?
- Não, amigo Prancha, pois a única coisa que tenho desejo
é de cultuá-la espiritualmente, pois a vida dela me ensina a genealogia do
amor. Deve ser por essa razão que fiquei falando algumas coisas desconexas na
caverna. A razão é simples: estou sofrendo por causa desse amor!
- Plata, de filósofo à punheteiro, você é um bom sujeito.
Em todo caso, existe posologia para o seu problema.
Da narrativa acima, o filósofo e matemático Platão
extraiu profundos conhecimentos acerca da filosofia pranchuriana e que daria
ensejo a duas de suas principais obras e filosofias: A Alegoria da Caverna[14] e o Amor
Platônico[15].
Da maconha na caverna ao mundo da filosofia, Platão redeu-se aos ensinamentos
de Pranchú, embora, naquele instante de sua vida, ainda estivesse açoitado por
um amor impossível por sua própria natureza. Nesse instante, Pranchú revela a
posologia para a cura do amor não correspondido:
- Para curar um
amor platônico, só mesmo uma trepada homérica!
Assim Falou Pranchú!
[1]. Cerveja oriunda de
Dionísio, deus grego equivalente ao deus romano Baco, dos ciclos vitais, das
festas, do vinho, da insânia, e, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor
com a deidade.
[2]. Frase platônica.
[3]. A busca da verdade
essencial das coisas é um dos objetivos principais da filosofia de Platão.
[4]. Cannabis sativa = maconha!
[5]. Acendimento de fogo por
meio da fricção de uma pedra sob uma superfície áspera (outra pedra, piso ou
madeira dura).
[6]. Frase platônica.
[7]. Frase platônica.
[8]. Frase platônica.
[9]. Frase platônica.
[10]. Frase platônica.
[11]. Frase platônica.
[12]. Qualira = perôba =
baitola = viado = homossexual.
[13]. Diotima de Mantinea é uma filósofa e sacerdotisa grega com
um papel importante no Banquete de Platão. A filosofia de Diotima está
na origem do conceito platônico de amor. A única fonte sobre ela é o
próprio Platão e por isso não é possível assegurar se era uma personagem ou
alguém que de fato tenha existido. Entretanto, praticamente todos os
personagens dos diálogos platônicos correspoderam a pessoas que viviam na
antiga Atenas.
[14]. A “Alegoria da Caverna”
foi um mito sucessivamente interpretado por Platão, simbolizando a metafísica,
a gnoseologia, a dialética, a ética e a mística platônica. Em sua totalidade, é
o mito que expressa Platão de forma abrangente, deixando muitos paralelos com
os dias atuais. REALE, Giovanni &
ANTISERI, Dario. História da Filosofia:
Antiguidade e Idade Média. Vol. I, São Paulo: Edições Paulinas, 1990, pág. 168.
[15]. Amor platônico, na acepção vulgar, é toda a relação afetuosa ou
idealizada em que se abstrai o elemento sexual, como num caso de amizade pura,
entre duas pessoas. Esta definição, contudo, difere da concepção mesma do amor
ideal de Platão,
o filósofo grego da Antiguidade,
que concebera o Amor como
algo essencialmente puro e desprovido de paixões, ao passo que estas são
essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas. O Amor, no ideal platônico,
não se fundamenta num interesse (mesmo o sexual), mas na virtude. Fonte:
Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor_plat%C3%B4nico)
ahahahahah... mermão, só mesmo a sapiência Pranchuriana para alentar esses momentos de angustia e aflição.
ResponderExcluirPranchú, você é um poeta muito do qualira mesmo. huahuahua
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