Desde priscas eras, a onomatopeia sempre foi o substantivo feminino mais utilizado pelo homem, na acepção mais masculina da palavra. Mesmo não sabendo, o homem se utiliza da onomatopeia para sanar suas agruras e suplantar suas aspirações e desejos mais intrínsecos. A onomatopeia, inclusive, foi objeto de profundas reflexões na História do Brasil, sobretudo na ocasião da proclamação da nossa independência.
De acordo com a historiografia clássica do país, no dia 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, o então Príncipe Regente do Brasil, D. Pedro de Alcântara de Bragança (futuro imperador Dom Pedro I do Brasil), teria bradado perante a sua comitiva: “Independência ou Morte!” Pois bem, essa é a parte que todos imaginam que sabem, mas outras estão encrustadas em nosso DNA, embora façamos um tremendo esforço em não conhecê-las.
Na referida comitiva de D. Pedro I estava presente uma figura inusitada cujo batismo atende por Francisco Gomes da Silva, também conhecido pela alcunha de “o Chalaça”[1]. Segundo o historiador Assis Cintra[2], esta figura era filho bastardo do Visconde de Vila Nova da Rainha e de uma rapariga de 19 anos, aldeã pobre que trabalhava como serviçal de quarto da família do Visconde. O Chalaça foi ordenado criado honorário do Paço Imperial quando D. João VI e a família real vieram para o Brasil.
Segundo consta da historiografia clássica, o Chalaça possuía um caráter “bulhento, extravagante, insolente e dissipado”[3]. De simples criado particular do Paço, foi promovido pelo Imperador (D. João VI) a Ajudante da Guarda de Honra e a seu Secretário privado e, finalmente, tanta ascendência ganhou sobre o ânimo de seu augusto amo, que se pode avançar sem exageração, que partilhava com ele a autoridade suprema. De inteligência absurdamente aguçada, após vários entreveros com a família real, o Chalaça passou a desempenhar a função de oficial-de-gabinete, secretário, escriba, confessor e conselheiro de D. Pedro I, então Príncipe Regente do Brasil.
A função institucional que exercia possuía um liame muito delgado com a amizade, motivo pelo qual o Chalaça passou a assumir um cargo bastante inusitado perante D. Pedro I: Assessor para Assuntos Licenciosos (AAL), ou seja, assessor da putaria! O então Conselheiro Gomes, sujeito quarentão e parceiro do jovem D. Pedro I nas incursões aos lupanares da época, era conhecido por sua sagacidade e virtuosidade no trato com as mulheres, subsidiando o então Príncipe Regente no seu trato para com todo tipo de moçoila. A regência do Príncipe pelo Chalaça era meramente voltada à libertinagem e fuleragem mais comezinha. Era a regência da putaria institucionalizada.
Os contos históricos mais recentes demonstram que o Chalaça também era bastante perspicaz quando o assunto era dinheiro, aliando-se, na política e na alcova, até mesmo com o capeta para conseguir o que queria. Das memórias posteriores publicadas pelo próprio Conselheiro Gomes, pode-se constatar que o mesmo também era afeiçoado a elogios e puxa-saquismos, eis que esse era um dos motes de seu sucesso.
Em sua intrigante caminhada e abnegação junto com o Imperador D. Pedro I, o Chalaça desenvolveu teses e antíteses que um dia seriam objeto de inserção no DNA do homem brasileiro, conforme explicitado acima. O Conselheiro Gomes, baseado na teoria dos três ruídos, inspirada na obra “El hombre y las cosas tríplices”, citado pelo cronista José Roberto Torero, cria um dito filosófico que um dia se transformaria em uma aforismo moral para os machos tupiniquins, baseado em três onomatopeias:
“Três sons é tudo o que busca o homem no decurso de sua experiência. Não são dois, nunca poderiam ser quatro. Pois tudo bem, e tais são eles: o sussurro das mulheres, o tilintar das moedas e o alarido das palmas. Nenhum homem poderá se considerar plenamente satisfeito - muito embora possa fingir que deles não sente falta, como alguns devotos - se, ao menos uma vez na vida, não tiver tido contado com eles.” [4]
Trata-se de três verdades axiológicas, metonimicamente formuladas, cuja conclusão foi incorporada na psique do macho brasileiro, sem a possibilidade de qualquer adjetivação ou derivação para o conceito pós-moderno da metrossexualidade (vide O Elo Perdido[5]) ou outra moda mais enviesada. Em outras palavras, não há margem para aplicação para aqueles que têm dúvida de sua própria masculinidade.
Os três sons de um homem, muito bem formulado por um sujeito errante, porém gabaritado, remetem aos três objetivos minuciosamente perseguidos pelo macho brasileiro, seja num requintado restaurante com sua donzela ou mesmo em uma micareta, onde ninguém é de ninguém. O que interessa, segundo o Chalaça, é contemplação dos três sons de um homem durante o decurso de sua existência.
Assim, nenhum homem estará plenamente realizado se não ouvir os sussurros das mulheres, em seu efetivo plural, durante a sua breve passagem pela terra. Talvez seja esse som (sussurro das mulheres) aquele que se assemelha aos terremotos, maremotos ou tsunamis que fazem com que o homem ande mundo afora atrás de um rabo de saia. Nenhum homem corta o cabelo, faz a barba, põe perfume ou faz outro asseio mais simples se não for em virtude de uma bela gazela. Para o Conselheiro Gomes, a chavasca se constitui como a mola que move o mundo, juntamente com o sussurro que a acompanha.
Da mesma forma, segundo o Chalaça, não há como ser um homem plenamente satisfeito sem a onomatopeia advinda dos “tilintares das moedas”. Trata-se, como bem conota a referida metáfora, da satisfação advinda do sucesso ou êxito financeiro alcançado pelo macho, afinal, não há como figurar de playboy sem ter como pagar. Há quem diga que essa onomatopeia (tilintares das moedas) seja provocada justamente para suplantar o primeiro som de um homem (sussurro das mulheres), eis que cortejar uma dama, seja em restaurante ou bordel, necessita de recursos financeiros.
O último som de um homem, para o Chalaça, seria o “alarido das palmas”, que representa justamente o reconhecimento ou elogios que são agraciados ao homem. Essa onomatopeia (alarido das palmas) representa a exaltação dos adjetivos e das virtudes do homem, sendo a contemplação de algo que diferencia os homens. Há quem diga que essa onomatopeia também seja para contemplar o primeiro som de um homem (sussurro das mulheres), pois nenhum homem é virtuoso em algo apenas para regozijar-se. Assim, por exemplo, resta claro que um homem vai para academia malhar não por causa da sua saúde, mas sim por conta da visibilidade que granjeia com a mulherada. A conclusão é simples: a malhação objetiva a chavasca!
Cada povo reza a antropologia mais óbvia e rasteira de sua respectiva herança cultural. Com o povo brasileiro não foi diferente. Assim como uma doutrina que compõe um sistema filosófico, o qual incorpora conhecimento aos homens no decorrer dos anos, a teoria dos três sons, criada pelo Conselheiro Gomes, está encrustada no ácido desoxirribonucleico do homem brasileiro, estigmatizado em várias circunstâncias, negócios, fatos, acontecimentos, condições ou estado das coisas.
O futebol, por exemplo, é considerado uma paixão nacional justamente porque é a mais lídima expressão da busca perfeita pelos três sons de um homem: o sussurro das mulheres, o tilintar das moedas e o alarido das palmas. Quem nunca sonhou em ser um jogador de futebol na infância ou na juventude para escutar repetidamente os três sons acima! É justamente aí que a teoria diferencia aqueles que são macho de fato, pois, segundo consta a lenda, dificilmente encontra-se um qualira que goste de futebol.
Outro exemplo é a cerveja. O gosto pela cerveja é uma busca pelos três sons de um homem, mesmo que seja uma busca efêmera. O sujeito que vai ao bar, bebe cerveja e fica ébrio, mesmo sem brio, certamente ficará açoitado por uma sensação arrebatadora dos três sons de um homem, afinal, todo bêbado fica rico, bonito e joiado! O sujeito começa a falar alto, achar que toda mulher está dando mole e paga tudo pela cerveja, inclusive para os amigos.
Não menos elucidativo, outro exemplo bastante comum pode ser constatado nos negócios. Aquele que obtém sucesso nos negócios objetiva igualmente a busca perfeita pelos três sons de um homem, desde que seja homem, evidentemente. No Brasil, inclusive, existe um mantra muito curioso em torno dos bem sucedidos empresários: quando ficam milionários, gostam de aparecer! Nem que seja na revista Caras ou Bundas! Ainda em relação a esses bem sucedidos empresários, é possível constatar a famosa troca da mulher de sessenta pela balzaquiana, como uma forma de upgrade de mulher. Nesse caso, é comum ver o milionário vovô-garoto de mãos dadas com a neta, digo, com a nova esposa.
Pois bem, a teoria dos três sons, materializada por um sujeito rústico, bruto e sistemático, como se diz lá no Goiás, faz parte da epiderme do homem-macho brasileiro, sendo objeto de uma herança transpassada por gerações e que se renova a cada dia, além de uma fórmula para manter-se perene às novas investidas da moda, assim como a metrossexualidade e outras vaidades típicas do sexo feminino. A teoria dos três sons de um homem tem evidente fundamento axiológico nos pergaminhos pranchurianos quando do discernimento da mulher, afinal, diria Pranchú, as mulheres amam os homens que apresentam qualidades inversas aos seus defeitos.
O homem que nunca buscou os três sons, assim como explicitado pelo Chalaça, certamente é um sujeito marcado pela própria natureza e que possivelmente se resguarda das coisas boas da vida. É como se o homem não se descobrisse, afinal, como diria o mestre Pranchú na invasão de São José da Lagoa Tapada pelos Fenícios:
“Para o sujeito que é um mau fodedor, até o saco atrapalha!”
Assim Falou Pranchú!
[1]. É
aí que entra para a história o Sr. Francisco Gomes da Silva, que tinha o
apelido de Chalaça, que significa dito de zombaria, dito picante, frase
graciosa e satírica. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995).
[2].
CINTRA, Assis. O Chalaça favorito do
Império. Disponível em: <virtualbooks.com.br/freebook/
port/did/chalaça/chalaça.htm>. 2000.
Acesso em: 22 maio 2011. p. 08.
[3]. ARMITAGE,
João. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1977, p. 111.
[4]. TORERO,
José Roberto. Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso conselheiro Gomes,
O chalaça. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 92.