quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PRANCHÚ E OS FILÓSOFOS GLUTÕES



    Pranchú andou por desertos áridos e florestas úmidas. Conheceu homens e mulheres simples, de pouco conhecimento, e argumentou com sábios detentores de conhecimentos milenares. Descrevemos aqui a incrível passagem de Pranchú pelo antigo templo de Delphos , na Grécia, onde proseou com os filósofos glutões. 

    Pranchú chegu a Delphos e passando pelas ruelas da cidade começou a escutar um burburinho sobre sua presença ali. Os locais comentavam "quem é esta figura de chapéu de couro ?" ou "de onde veio o forasteiro com uma peixera * ?". Apesar da antiga Grécia ser cosmopolita sempre um estranho era notado e sua reputação posta em dúvida. Todos queriam saber de onde vinha aquele indivíduo, se era o mesmo do qual se falava que respondia com destreza às questões mais complexas da natureza humana. Os comentários sobre a presença de Pranchú chegaram ao conselho dos Filósofos Glutões, sábios que regiam as leis por ali e debatiam sobre as questões cruciais daquela já tão avançada sociedade. Passavam o dia em um templo dedicado a eles mesmo, discutindo, comendo e bebendo.
    Através de um moleculah ** Pranchú foi avisado que um convite lhe fora feito para jantar com os sábios do conselho. O garoto de recados esperou que Pranchú desse uma baforada no seu cigarro pé de burro. Pranchú cuspiou em uma escarradeira de porcelana próxima e disse: "volta lá, abestado, e diz que na hora da Ave Maria eu chego". O moleque correu de volta para o templo e anunciou a boa nova. 
    Entretanto a intenção dos sábios não era das melhores. Cientes do poder intelectual do forasteiro sentiram medo, pois assim são os homens de poder. Arquitetaram então planos para que o mesmo fosse humilhado a qualquer custo. Para eles Pranchú não poderia se sobressair nas discussões pois os filósofos seriam desmoralizados e seu poder, baseado na ignorância alheia, seria naturalmente descreditado, gradualmente destituído. As horas passaram e o coral de crianças castrati entoaram a Ave Maria no coreto da praça principal em frente à igreja matriz. 
    Os filósofos sentaram à mesa a espera de seu conviva. Um bode seria sacrificado e uma buchada com fios dourados lhe seria oferecida. Vinhos das vinículas mais nobres foram postos na adega principal e até mesmo uma bebida destilada de origem desconhecida chamada 51 A.C. foi trazida para o grande evento. Transeuntes pararam em frente ao templo e começavam a se acotovelar para pegar um lugar de onde conseguissem escutar o debate. Tal embate seria histórico e tinham tanta razão que hoje estamos aqui revisitando estas páginas amareladas da História. 
    Pranchú chegou ao templo e pouco a pouco as pessoas abriam espaço para o caminho rumo à mesa. Lá estavam todos os filósofos, seis ao todo, conversando entre si e fingindo não perceberem o convidado entrar, pois assim são os arrogantes. Pranchú chegou à beira da mesa e se apresentou dizendo:
     Ôpa ! 
    Os filósofos se entreolharam censurando as palavras econômicas daquele que disseram ser um sábio. Esperavam uma introdução formal, talvez até uma poesia ressaltando seus próprios feitos. Mas não. Entretanto Pranchú quebrou o breve silêncio com uma pergunta: 
    Será que rola uma cachacinha ? 
    Desta vez os sabios não apenas se entreolharam, mas também começaram a comentar , todos juntos, sobre o que seria aquela figura misteriosa. E ainda mais: o que seria "uma cachacinha" ? Seria alguma espécie de embate verbal ? Físico ? Seria uma ofensa ? Um elogio ? Ao ver a dúvida no ar Pranchú desfez o mistério dizendo em voz alta:
    Vocês deixem de frescura e me passem aquela garrafa de 51 que eu tô com uma sede arretada ... 
    Um serviçal foi chamado para servir o forasteiro que lhe tomou a garrafa retirando a rolha com os dentes. Sorveu o líquido desconhecido em goladas consistentes. Quando Pranchú deixou a garraffa na mesa um rapaz cheirou o conteúdo da mesma e caiu no chão desacordado, sendo socorrido pelos demais serviçais. Tal bebida não era para neófitos. 
    Pranchú sentou-se e passou em revista todos os filósofos. Sábio que é sentiu o clima de cilada mas ficou tranquilo, pois assim são os guerreiros. Foi quando um filósofo dentre os seis, talvez o mais velho, se dirigiu a Pranchú dizendo: 
    Oh forasteiro vindouro de terras desconhecidas, o que trazes de oferenda para este jantar ? Ou é de costume de teu povo chegar à uma mesa sem nada trazer ? 
    Toda a mesa estrondou em uma volumosa gargalhada. Pranchú deixou o silencio lhe dar a vez da palavra respondendo à pergunta com outra: 
    E vocês tão liso é ? Tão procurando um macho pra lhes sustentar ? Ô careca me passa esse pedaço de pão aí pra eu tirar o ranso dessa cachaça. 
    Os filósofos se calaram e alguns levantaram as sobrancelhas surpresos, mas o povo que via de fora o desenrolar da cena gargalhou com tamanha audácia daquele homem simples. Perceberam que Pranchú estando à mesa era como se cada um deles estivesse ali comendo e bebendo do melhor,  fazendo desfeita dos bossais. 
    Um outro filósofo limpou a garganta e um pouco mais comedido perguntou: 
    Oh forasteiro desconhecido, de onde vens, para onde vais e o que fazes aqui ? 
    Pranchú com a boca cheia de pão respondeu: 
    Vim falar com sua mãe e vou embora com sua irmã ... 
    A esta altura do "debate" o povo já estava em polvorosa , vibrando muito e quase invadindo o templo para melhor escutar aquele que veio de longe e que com poucas palavras constrangia tantos sábios de uma só vez. Ao perceber que a situação lhe estava desfavorável um dos filósofos colocou a mão na perna de Pranchú e disse:
    Vou te lançar um enigma, e tal qual a Esfinge, decifra-me ou te devoro ...
    Foi aí que Pranchú sacou da sua peixera e com as costas da lâmina tirou a mão do desafiante de sua perna, proferindo:
        Já entendi tudo ! Vocês são tudo é peroba ! Ficam aí tudo enfurnado nessa loca aqui trocando o fio fó ! É como digo:

"Diga-me com quem andas que te direi quem comes" 

Assim falou Pranchú !

    Dizem que após a passagem de Pranchú os princípios da democracia contagiaram os populares gregos ...

* faca amolada pra dedéu
** Moleculah palavra de origem árabe que significa: moleque , vai aculá, por Alah ! 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O ELO PERDIDO





    Desde os primórdios até hoje em dia o homem ainda faz o que o macaco fazia, ou seja, ele fede. O homem adulto explode em uma proliferação infinita de pêlos que , como resultando de sua labuta diária, cria a fedentina. Sempre foi assim. E foi pior, até que com o advento do sabonete a fedentina se transformou na famigerada nhaca. Se o sabonete é bom a nhaca não ofende o olfato. Se o sabonete é ruim ele dá vazão ao cheiro sobre o qual se conclui: 'há um macaco mal lavado no recinto' ! 
    Pois bem, até o sabonete a humanidade de fato evoluía. Por ter a mulher como inspiração para tudo, aparatos químicos foram criados para que estas encobrissem seus odores, digamos, nada nobres. A eterna busca da fonte de juventude contida em um recipiente de cinquenta reais para nossas musas inspiradoras fez eclodir uma série de produtos em forma de creme, líquido e pó para que a mulher da vida real ficasse mais perto daquela idealizada no amor platônico. Em nossos sonhos infanto-juvenis a mulher platoniana flatula Leite de Rosa e tem um bafo de capim santo. Em termos de higiene pessoal a humanidade achou o elo perdido: o sabonete para o macho e demais produtos para a mulher.
    Muitos dirão 'mas isto é um exagero' ! O homem também usa shampoo ! Errado. E  utilizo exemplos para provar que o uso do shampoo pode ter sido o começo do fim. Perguntando ao meu avô como é possível ter uma cabeleira e um bigode brancos, de textura leitosa, ele responde sem titubiar: 'sabão de côco, abestado' ! No ímpeto de  perguntar ao meu pai se ele usa shampoo sua calvície me faz calar, impedindo uma questão estúpida. Portanto ou o macho usa sabão de côco ou é calvo. O shampoo foi portanto o começo desta derrocada. 
    Não se sabe ao certo mas estatísticas podem provar (sim ! as estatísticas são as damas de companhia dos argumentos) que tudo começou quando um menino (não se sabe qual, não se sabe mesmo se foi apenas um, não se sabe de porra nenhuma) entrou nos aposentos de sua mãe enquanto ela estava na cozinha e começou a vasculhar os produtos alquímicos embelezatórios: pó pro rosto, creme pras mãos, batons ... Neste momento (caso o leitor pudesse ver a cena) uma luz saía do estojo de maquiagem e iluminava o semblante  macabro e fascinado daquele garoto. Balbuciando um pensamento disse para si mesmo 'um dia usarei tudo isso ! Abalarei Bangú ! Seu ar compenetrado foi quebrado pelo som que veio da cozinha 'Emanuel * ! vem comer minino' ! Mas a promessa estava feita, um pacto foi selado. O tempo passa e o menino virou homem em uma metamorfose tal qual a de Benjamin Button que nasceu com cara de véi e foi perdendo as pregas. Não apenas shampoo lhe satisfazia mais, precisava também de um creme para alisar cabelos. Do creme capilar 'alisa pentei' foi ao creme hidratante. Do hidratante foi à depilação peitoral. Pronto ! E como o homem do sertão diz quando vaticina a derrota alheia:  Acabou-se o homem ! Surge o metrossexual: este ser que não apenas usa tudo e mais um pouco o que sua mãe usava como também faz as unhas e desperdiça preciosas horas no cabelereiro. Aliás tocamos em um assunto que será abordado em um texto vindouro: o cabelereiro tomou o lugar do barbeiro, mas não nos desviemos do assunto...
    A humanidade achou o elo perdido entre o homem e o macaco. O metrossexual perdeu o elo, ou o aro e sobrepôs uma linha evolucionária sobre outra, ou como se diz no sertão,  acaraiou ** tudo. O que a lei da natureza aprimorou por milênios o metrossexual derrubou em menos de uma década. Se a década de oitenta ficou conhecida como a década perdida, a da ascensão metrossexual será conhecida como a década da rosca perdida. E é quando a humanidade se distancia de seus preceitos é que a História surge como tábua de salvação. É de lá que tiramos o consolo (sem referência ao consolo de borracha) ao refletirmos sobra as sábias palavras de Pranchú:

     "Homem que é homem tira o sebo do pau e come" 

    Assim falou Pranchú !

* o nome Emanuel é puramente ilustrativo. 
** acaraiou do verbo acaraiar. Do latim acaraialium utilizado pela primeira vez quando Nero decidiu tocar o foda-se em Roma e disse 'tô puto, vou acaraiar com essa cidade , porra'.